Pelo volume das investigações que acompanho, envolvendo o ex-presidente Lula, pode-se supor que ele é muito mais um facínora que esteve na presidência para praticar delitos do que propriamente para dirigir o executivo do país.
No entanto, como leigo absoluto em coisas da lei e da política, não posso deixar de observar que nisso tudo o mais impressionante até agora é mesmo a palavra volume. Porque alguma coisa soa muito falso nessas histórias todas.
Elas me fazem lembrar certo noticiário econômico do tempo em que o Brasil acumulava reservas em moeda estrangeira, e que buscava demonstrar como acumular reservas não era senão uma maneira de produzir prejuízos. Mas, eu me perguntava, a gente não havia saído de uma tremenda crise cambial? E, justamente, por falta de reservas? Mas então qual o raciocínio desses analistas?
Hoje combatemos a corrupção. Mas me pergunto se combatemos a corrupção ou se combatemos o Lula.
Senão vejamos: existe uma vasta operação chamada Zelotes, cujo fim é encontrar os sonegadores de bilhões e bilhões de reais. Sonegadores importantes e valores relevantes.
Vira, mexe, o que temos são acusações irrelevantes contra o ex-presidente. Onde estão os bilhões roubados ao tesouro? Não importa: o cara condenado a 300 anos tem redução de pena para 8 semanas caso mencione o Lula ou algum próximo.
Os resultados são pífios, mas isso parece importar pouco. Enquanto isso, passam leis no mínimo controversas, como a que permite a exploração de petróleo por firmas estrangeiras. Não que isso seja mau em princípio. Mas aconteceu sem que nem uma manchete aparecesse, sem que nem uma discussão fosse levantada.
O que vejo diariamente é mais ou menos isso:
1. Acusa-se o ex-presidente de ter pretendido comprar um apartamento em condições facilitadas por uma empreiteira suspeita. Acusa-se sua mulher de ter até mesmo visitado o apartamento (em Guarujá).
No entanto, é forçoso observar que o apartamento não foi comprado. Então fosse isso suborno, negociata ou lá o que seja, não ocorreu. Mas, para ser franco, estaria mais preocupado se Lula fosse subornado por um apartamento em Guarujá. Quem, hoje em dia, quer apartamento em Guarujá? Não conheço ninguém que tenha passado por lá nos últimos anos sem ser assaltado. Se fosse esse o suborno significaria que tivemos por oito anos um otário total na presidência, o que é bem mais grave.
2. Outra acusação é a de frequentar um sítio, se bem entendi. E nesse sítio d. Marisa teria até comprado um bote, no valor de R$ 4 mil. Não chega a ser acusação, na verdade, é mais uma insinuação de que o sítio seria do ex-presidente e não do dono, que o dono seria um testa de ferro.
Não entendi até agora nada disso. Parece que, à força de assistir novelas compulsivamente, o brasileiro só acredita em plots vagabundos. E daí que ele frequenta um sítio? E por que alguém precisa de testa-de-ferro para ter um sítio? Se fosse uma fazenda, um banco ou algo assim, vá lá, mas um cara que foi presidente, que recebe aquelas granas generosas como ex-presidente, que também tem pensão do Estado por ter sido preso (isso sim é uma vergonha) pode comprar seu sítio sem precisar de testa-de-ferro. Francamente…
3. Teria vendido medidas provisórias referentes a desoneração fiscal de automóveis.
Minhas dúvidas começam aqui pelo comprador. Seria uma montadora, ou duas, se entendi direito. Mas essas não seriam beneficiadas em particular, mais do que outras. Por que botariam dinheiro numa compra inútil que beneficiaria igualmente suas concorrentes? Não seria mais prático acertar uma grande compra de veículos de tal marca pelo executivo, fraudando licitações e coisas assim? Não seria mais justo esperar que o sindicato das montadoras ou que nome tenha fosse o subornador oficial?
O ponto realmente intrigante, no entanto, não é esse. Como um sujeito esperto como Lula teria caído numa besteira infantil de vender MP de favorecimento da indústria automobilística se essa desoneração e o consequente favorecimento era uma política explícita de seu governo, da qual se pode divergir ou não, mas que era uma coisa aberta?
4. Tráfico de influência em favor de uma empreiteira brasileira em obras no exterior. A empreiteira teria pago passagem aérea de Lula.
Se isso aconteceu durante a presidência pode até ser um crime (partindo do princípio que beneficiou uma empreiteira brasileira em detrimento de outras, candidatas ao mesmo serviço), mas não teria sentido pagar passagem a quem fazia suas viagens no avião presidencial. No mais, também isso era política oficial e feita a céu aberto, quer dizer, Lula considerava que era sua atribuição propagandear empresas brasileiras no exterior e nunca escondeu isso.
Agora, se foi depois da presidência, não entendo qual o problema de alguém solicitar seu trabalho de lobista, no caso, e pagar passagem e, claro, salário ou o que seja. E se o serviço é de lobby, pode ser até indecente, mas ilegal? Seria muito estranho. Se o propósito for vender um serviço ao governo brasileiro pode-se ao menos suspeitar de uma transação ilegal, de tráfico de influência. Mas se o governo é de um país estrangeiro, que tráfico pode haver?
Claro, isso é a visão de um leigo absoluto. Tudo me deixa a impressão, no entanto, de que essas operações não têm nem de longe a intenção de acabar com a corrupção. Tanto que empresários que fraudam licitações há pelo menos 30 anos são soltos só por denunciarem alguém próximo do poder (como se fraudar licitações, promover carteis, corromper funcionários ou políticos fosse crime menor).
Tudo que vejo na mídia sugere que não existe combate à corrupção, ou que combate-la seria algo inteiramente secundário.
Vocês me desculpem colocar essas dúvidas sobre o trabalho de tanta gente honrada, como policiais e procuradores, mas sou um cidadão de pouca fé mesmo e acredito que a tendência a avançar por caminhos ilógicos tem se tornado muito forte.
Não descarto a possibilidade de o ex-presidente ser um bandido sem vergonha e tudo mais, mas até onde nos é mostrado o que existe é uma caçada a Lula. O resto é um resto que, uma vez terminado esse assunto, irá para onde deve ir: debaixo do tapete.
Reprodução do Blog de Inácio Araújo, na Folha de São Paulo.
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