quinta-feira, 10 de abril de 2014

Príncipe banido do Marrocos defende o fim da monarquia


Apelidado de "príncipe vermelho" por seus posicionamentos iconoclastas sobre a monarquia marroquina, Moulay Hicham el-Alaoui, 50, ataca novamente. No livro "Diário de um Príncipe Banido" (Editora Grasset), a ser lançado no dia 9 de abril, o primo de Mohammed 6º faz um retrato íntimo e feroz da corte xarifiana, onde ele foi criado. O autor, que vive desde 2002 nos Estados Unidos, pleiteia sobretudo a abolição do Mahkzen, termo que deu origem à palavra "magasin" em francês e que designa a corte, as instituições ligadas ao palácio e aos conselheiros próximos do rei.

Por que publicar hoje um livro que o senhor começou a escrever em 2007?

Desde o início dos anos 1990, fui aos poucos conquistando minha liberdade – minha liberdade crítica e minha liberdade intelectual. Não só a conquistei, como a defendi com unhas e dentes. Esse livro é a coroação desse livre pensar ao qual tenho muito apego. Aos poucos fui sofrendo uma transformação que me tornou um estrangeiro, não em relação ao Marrocos, mas sim quanto à família e ao meio no qual eu cresci. Senti que, em minha trajetória, um ciclo havia se fechado, e também que algo havia mudado profundamente com a "primavera árabe". Tudo que eu disse durante anos agora está sendo de uma atualidade tremenda.

Quero informar as pessoas, contribuir para o debate e, especificamente neste caso, ajudar a entender uma parte da história contemporânea de meu país. Fui ao cerne do reator. Muitos dirão: "Você caiu da carroça e está tentando voltar". Não. Na minha cultura, não é assim que se volta. A gente volta pedindo desculpas.

O senhor afirma não aspirar a nenhum papel, mas também não descarta nada.

Isso mesmo. Do futuro, ninguém sabe. Se surgir a ocasião, darei minha contribuição, mas não acredito que isso virá do Palácio. Depende da interação de forças em um momento particular: estamos indo para um cenário de ruptura, de mudança pacífica? Não faço ideia! Mas saí da minha casa e não voltarei mais.

O senhor diz que é preciso "desmantelar o Makhzen". Mas ele não é constituinte da monarquia?

O Makhzen depende da monarquia para viver e a própria monarquia depende do Makhzen para viver à sua maneira; é uma relação simbiótica e é preciso redefinir completamente essa interdependência. Todo o exercício dos três reis que se sucederam foi manter essa dualidade, cada um à sua maneira. Eu sou da opinião de que o Marrocos não pode se desenvolver com o Makhzen. E se ele não pode, é a monarquia que pagará o preço. É indispensável o fim do Makhzen. É um poder neo-patrimonial que impede o desenvolvimento econômico, um sistema de predação e de subjugação. Então ele não pode liberar as energias renováveis e, também não poderá subir água da fonte. O segundo passo é a criação de um verdadeiro Estado moderno, um Estado de direito. Hoje, temos uma monarquia com uma Constituição, não temos uma monarquia constitucional.

O senhor parece mais indulgente com seu tio Hassan 2º no fim de seu reinado do que com seu primo Mohammed 6º.

Indulgência não é a palavra. Mas no fim de seu reinado, Hassan 2º encontrou a motivação por ver que ele estava em um impasse. Só que quando Mohammed 6º ascendeu ao poder, ele herdou uma situação de consenso e de pacificação inédita na monarquia marroquina. Foi a primeira vez em que se passou o bastão em condições tão favoráveis, todas as outras se deram em um momento de turbulência e tensões. No início, Mohammed 6º hesitou. Mas, no final, permanecemos na mesma lógica. Perdemos o bonde da História.

Com Hassan 2º, houve uma alternância com um governo socialista cooptado. Isso poderia ter levado à democracia. Mas o que Mohammed 6º fez? Ele trocou a lógica democrática primeiro por um governo de tecnocratas em 2002, e cinco anos depois, por um outro descendente de Istiqlal que foi esvaziado de todas suas prerrogativas com a criação de comissões reais e de instâncias superiores. Em 2007-2008, Mohammed 6º se preparava para dar o golpe de misericórdia com a criação de um novo partido, o PAM. Ele só foi recuar com os movimentos populares e a "primavera árabe", a ajuda de uma nova Constituição geradora de muitas ambiguidades, e um método utilizado com os socialistas: criar uma renovação de fachada com os islamitas do Partido da Justiça e do Desenvolvimento. Levam novas elites e as sugam, para depois abandoná-las como zumbis sem vida. Para mim, tudo isso é continuidade. Tentam ganhar tempo, tiram a substância das coisas e esperam a pressão baixar.

Hassan 2º tinha paixão demais pela profissão de rei, o que o levou para o absolutismo. Com Mohammed 6º, foi o contrário: uma falta de paixão que fez com que a democratização não desse certo. Um mesmo resultado com duas personalidades diferentes.

O senhor apoiou a Primavera Árabe e prevê a queda das monarquias árabes, mas nenhuma delas saiu do lugar.

O Bahrein é uma ocupação saudita! Sim, eu era próximo das famílias reais saudita e jordaniana, mas se respeitar é também respeitar a opinião dos outros. Hoje, essas monarquias me detestam, porque acham que eu me voltei contra minha raça. Não existe uma exceção marroquina, existe uma vantagem monárquica. É um sistema que não é inteiramente fechado: há comportas e há válvulas. Mas acho que as válvulas não são grandes o suficiente para liberar a pressão. A mudança de gerações, da classe média, a recessão na Europa, são novos parâmetros. A verdadeira exceção não é o Marrocos. A verdadeira exceção do mundo árabe é a Tunísia. Mas a fascinação pelo autoritarismo na região foi rompida. O sentimento de impotência também.

Qual seria a solução para o Saara ocidental, que continua sendo um problema espinhoso?

O Marrocos tem problemas com o Saara porque ele não tem um plano de democratização. O problema do Saara é o mesmo que o do Marrocos: em vez de engajar as pessoas em uma base cidadã, engajaram-nas em bases clientelistas. E o clientelismo não dá nada. Essa descentralização terá necessariamente de integrar princípios de direito internacional. Quero me ater a isso, porque se eu disser "autodeterminação", vamos entrar em termos como "traidor da pátria" etc. Mas essa descentralização deve necessariamente estar em sintonia com o direito internacional. Todo o resto é uma questão de negociação.


Reportagem e entrevista feita por Isabelle Mandraud, para o Le Monde, reproduzida no UOL

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