quarta-feira, 2 de abril de 2014

Moda reaça

Moda reaça
Vamos aproveitar o aniversário da democracia e tirar do armário a fardinha verde-oliva do vovô
Aproveitando essa onda reaça que tá super-mega tendência, a gente está lançando toda uma coleção pra você, jovem reacionário, que quer gastar o dinheiro que herdou honestamente na sociedade meritocrática --apesar dos impostos, é claro.
Pode guardar a camiseta fedida do Che Guevara e raspar essa barba de Fidel. A moda guerrilheira é muito 2002. Quem tá com tudo neste outono é o jovem reaça. A moda é cíclica, gatinhos! Nesta estação, vamos aproveitar o aniversário da revolução democrática e tirar do armário a fardinha verde-oliva do vovô. E o melhor: não precisa nem limpar as manchas de sangue. Super orna.
O último grito do outono fascistão é defender os valores tradicionais e ressuscitar velhos chavões: direitos humanos para humanos direitos, bandido bom é bandido morto, Deus não fez Adão e Ivo.
Nossa coleção --que será lançada amanhã, no prédio do DOI-Codi-- foi feita pensando em você, cidadão de bem, branco, católico, heterossexual, rico, com as pernas no lugar, funcionando direitinho. Você é o homem da minha coleção. Olha só esse soco inglês: é a sua cara. Vestiu bem, homem da minha coleção. Combina com sua correntinha.
O homem da minha coleção anda armado e se algum viado der em cima dele ele diz que atira na testa. O homem da minha coleção transa com travesti mas se arrepende logo em seguida e enche a bicha de porrada. O homem da minha coleção casou na igreja com a mulher da minha coleção num casamento celebrado pelo padre da minha coleção, homofóbico, racista e com um sotaque ininteligível apesar de nunca ter saído do Brasil.
A mulher da minha coleção critica periguetes porque elas não se dão valor --chama isso de feminismo. Saia curta, nem pensar. "Depois reclama quando é estuprada..." A mulher da minha coleção acha que mulher gorda devia evitar sair de casa. "Ninguém é obrigado a ver gente obesa."
A mulher da minha coleção finge que não sabe que é traída pelo homem da minha coleção e se vinga estourando o limite do cartão de crédito do homem da minha coleção que por sua vez finge que não sabe e se vinga saindo com outras mulheres da minha coleção.
Nosso it boy, claro, é o coronel Paulo Malhães, torturador chiquerésimo que deu depoimento à Comissão da Verdade usando um puta óculos escuros Prada de aro dourado, onde assumiu ter perdido a conta de quantos cadáveres ocultou. Divo. Viva a revolução --democrática.


Texto de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo

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