domingo, 27 de abril de 2014

Escândalos em série

Há cerca de uma década, um sociólogo da Universidade de Cambridge, John B. Thompson, formulou uma "teoria do escândalo" ("O escândalo político", Vozes, 2002). O autor realizou notável pesquisa histórica, permitindo um olhar mais distanciado e crítico dos acontecimentos que passaram ao centro da disputa pelo poder.
O escândalo sempre existiu. No grego antigo, skándalon designava algo como "pedra de tropeço", situações que representam "uma armadilha, um obstáculo ou uma causa de deslize moral". No Antigo Testamento, aparece como teste de fé para o povo eleito. Mas do século 18 para cá, o fenômeno tomou outra configuração, devido, sobretudo, à constituição do jornalismo como campo autônomo, relativamente independente de outros poderes.
Se não houvesse uma imprensa capaz de procurar e amplificar os tropeços morais, o impacto do escândalo seria bem menor. Com a multiplicação dos meios de comunicação e o crescimento exponencial de sua abrangência dos anos 1960 para cá, ocorreu novo salto. Aquilo que era elemento adicional tornou-se característica central. Por isso, Thompson batizou a feliz expressão "escândalo político-midiático" (EPM).
A mídia não cria o escândalo, mas a divulgação que lhe dá é tão decisiva quanto o próprio conteúdo propalado. Daí a importância de garantir equilíbrio na cobertura, o que não é um problema trivial, pois é preciso regular a imprensa sem tirar-lhe a independência e a liberdade.
O EPM tornou-se o centro da política democrática desde o vazamento dos chamados "papéis do Pentágono" sobre a guerra do Vietnã em 1967. Em seguida, veio Watergate, que criou paradigma mundial, com o rol combinado do jornalismo investigativo e dos inquéritos oficiais no cerco ao ex-presidente Nixon.
Cada país tem estilo próprio de EPM. Em alguns, denúncias envolvendo a sexualidade tem lugar cativo na grade de programação. Em outros, o assunto não comove. No Brasil pós-redemocratização, começa, em geral, pelo vazamento de vínculo entre figuras alojadas no Estado (federal, estadual ou municipal) e setores econômicos que financiam máquinas políticas em troca de ajuda nos negócios. Depois vem o circuito imprensa-Polícia Federal-CPI, que se retroalimenta.
Os casos em curso (Petrobras e Alstom) são apenas a bola da vez. Antes deles vieram outros, depois, novos se seguirão. Sem abrir mão de exigir transparência, apuração e punição, a sociedade brasileira precisa entender que esse é o modo pelo qual funciona a política contemporânea, para o bem e para o mal. Para o bem, pois há mais controle do que no passado. Para o mal, uma vez que mostra a necessidade urgente de reforma política que parece ainda distante.


Texto de André Singer, na Folha de São Paulo

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