terça-feira, 29 de abril de 2014

Neurônios em fuga


No auge do "poder jovem" --um delírio planetário de fins dos anos 60, em que nós, jovens, acreditávamos que íamos tomar o poder--, Nelson Rodrigues declarou: "Jovens de todo o mundo, envelheçam!". O maravilhoso espírito de porco não podia saber que seu conselho já estava sendo seguido pela natureza. Um estudo recente da Universidade Simon Fraser, no Canadá, descobriu que nosso declínio cognitivo não precisa esperar pela terceira idade. Começa aos 24 anos.
É quando, diz o estudo, o cérebro passa a sofrer uma queda de produção e, a cada 15 anos, o ritmo cognitivo cai 15%. Significa que morrem mais neurônios do que o organismo é capaz de repor. O que, claro, não o impede de conter neurônios mais do que suficientes para continuar funcionando --mas explica por que certas informações parecem se apagar de repente da nossa cabeça.
Aos 24 anos, por exemplo, em 1972, já não me lembrava em qual deputado tinha votado na única eleição de que participara, a de 1966. (Provavelmente anulei o voto, seguindo a burra palavra de ordem da época.) Aos 26, passei a usar óculos e, no começo, não sabia onde os tinha deixado. Vivia procurando-os pela casa --apenas para descobrir que estavam no meu nariz. Aos 32, evaporei da memória uma namorada que perdi para o Ricardão.
Aos 36, talvez em busca de espaço, meu cérebro apagou tudo que eu sabia de matemática, física e química --triângulos isósceles e escalenos, roldanas e polias, a fórmula do cobre etc. Pena que, ao mesmo tempo, tenha deletado também os afluentes do rio Amazonas, a ordem dos planetas no Sistema Solar e as escalações dos times do Bangu e do América nos anos 50. E por aí foi.
Há algum tempo venho aplicando o único antídoto que conheço contra essa deterioração. Para conservar o que já tenho em estoque, decidi não aprender mais nada.


Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo

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