quinta-feira, 3 de abril de 2014

Longas jornadas


A coluna passada destacou que é longo e descomunal o esforço civilizatório de universalizar a educação básica num país como o Brasil: em desenvolvimento, populoso e de duradouro passado escravista.
Hoje, o objetivo é relatar brevemente como tal processo ocorreu em outros países. Para tanto, é usada a base de dados (http://www.barrolee.com/data/selection.htm) dos economistas Jong-Wha Lee (Korea University) e Robert Barro (Harvard), que meu colega economista José Aparecido Ribeiro, com quem venho discutindo temas de educação, converteu nas figuras da versão on-line da coluna (folha.com/no1434874; no quadro ao lado, apenas o Brasil).
Os dados de 1950 a 2010, em intervalos de cinco anos, referem-se à escolaridade da população adulta (mais de 15 anos), o que traz duas implicações para a análise: o efeito de mudanças nas políticas públicas só se faz sentir na década seguinte e ainda assim os resultados sofrem com uma inércia prolongada.
Entre os países ricos da Europa (Alemanha, França e Suécia são os exemplos nos gráficos on-line), havia em 1950 uma proporção bem baixa da população sem escolaridade. De 50% a 70% tinham o primário completo, mas apenas 5% haviam completado o ensino médio.
É só a partir dos anos 1970 que a cobertura do médio se acelera, atingindo dois terços da população em 2010. O acesso à universidade cresce lentamente, atingindo 20% de pessoas com curso completo ou não.
O EUA, que não foram diretamente afetados pelas guerras mundiais, além de em 1950 terem um percentual baixo de pessoas sem escolaridade, já tinham uma significativa expansão do ensino médio, que atingia quase 40% da população. Em 1980, esse percentual era de 79%. O ensino superior também avançou sistematicamente, fazendo com que em 2010 mais da metade da população o tivesse completo ou incompleto.
A Coreia tinha em 1950 uma ampla cobertura do primário, embora com 28% da população sem escolaridade. Após a guerra de separação, o país ampliou a cobertura do médio de pouco mais de 10% em 1960 para 35% em 1980, para 65% em 1995 e 80% em 2010. O ensino superior também se expande rapidamente a partir de 1980 (quase 5%), atingindo quase 10% em 1990 e 17% em 2010, além de mais 25% com curso incompleto. Na trajetória, quase 4% permanecem sem escolaridade.
A Argentina tinha uma foto inicial próxima à da Europa, com 40% com o primário e 15% sem escolaridade. Mas, como seu desenvolvimento econômico, sua trajetória educacional é lenta e inacabada. De início, o Chile parece a Argentina um pouco defasada, mas a partir dos 1980 há forte expansão do médio e do superior.
Bases de dados amplas costumam ter problemas de homogeneização de critérios. Ainda assim, é possível tirar conclusões. O esforço de universalização da educação básica demanda sete ou oito décadas. O EUA e a Europa iniciaram suas jornadas bem antes de 1950. A Coreia, exemplo heroico, o fez em meio século.
O Brasil tem uma situação inicial muito pior que todos esses países. Em 1950, 63% dos adultos eram sem escolaridade. Esse percentual cai a 27% em 1975, porém expandindo a população com primário incompleto (alfabetização). Só em 1990 mais da metade tinha primário completo.
A partir daí, começam os saltos no ensino médio, que sai de 6,6% para 10,3% em 1995, 17,2% em 2000, 23% em 2005 e 26,3% em 2010.
O ensino superior tem um crescimento consistente em todo o período, mas restrito, permanecendo inferior a 5% em 2010. A população sem escolaridade continuou caindo, porém persiste no patamar de 10% em 2010, o que reflete a estratégia de combater o analfabetismo apenas nas novas gerações.
É difícil projetar o avanço brasileiro nas próximas décadas. A foto continua ruim. O país está hoje na situação do EUA em 1950 e da Coreia em 1980. Entretanto, seu esforço sistemático é recente, veio só com a redemocratização (Constituição de 1988). A elevação de gastos em educação como proporção do PIB a partir de 2005, por exemplo, ainda não se reflete na população adulta.
A educação básica virou prioridade. No entanto, há também o desafio da qualidade, assunto da semana passada, e, para acelerar os ganhos de cobertura, o país também precisa centrar esforços na educação de adultos, alvo do EJA, que vem perdendo alunos, e do Pronatec, ainda recente. Paciência e persistência!


Texto de Marcelo Miterhof, na Folha de São Paulo

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