terça-feira, 5 de abril de 2016

Comissão quer criar censura 2.0

A CPI dos Crimes Cibernéticos na Câmara acaba de publicar seu relatório final. A comissão foi presidida pela Deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO), e o texto, redigido pelo deputado Espiridião Amin (PP-SC). Analisando o relatório, fica claro que sua finalidade não é combater "cibercrimes", já amplamente cobertos pela legislação em vigor. O objetivo é criar um sofisticado sistema de controle e censura da rede.
O relatório propõe oito leis para atingir esse objetivo. A primeira transforma as redes sociais em órgão de patrulha, vigiando e apagando posts de usuários que "atentem contra a honra". As redes sociais terão 48 horas para apagar conteúdos "acintosos". Se não o fizerem, serão corresponsabilizadas.
É medida feita sob encomenda para políticos que se sentem incomodados pela internet. Dá a eles o direito de apagar tudo que os desagrade.
A segunda proposta acaba com a privacidade. O relatório propõe que a identidade de qualquer usuário atrás de um número IP (o "RG" de um dispositivo conectado) seja revelada automaticamente "ao delegado de polícia e ao Ministério Público", sem a necessidade de ordem judicial. Com isso todos se tornam presumidamente culpados, sujeitos à vigilância de ocasião.
A terceira perna atribui à Polícia Federal a competência para lidar com qualquer crime que seja "praticado mediante computador". Quem hoje baixa filmes ou música da internet poderá receber a visita do japonês da Federal. O mesmo acontecerá com quem fizer uma "difamação" na internet.
Quando milhões de pessoas são transformadas em criminosos potenciais, surge o fenômeno do "bode expiatório". Autoridades viram juízes, decidindo quem deve ser interpelado. Em uma democracia, a competência da Polícia Federal deve ser sempre limitada a temas graves. Não faz sentido que atue em crimes de baixo potencial ofensivo "praticados mediante computador".
Por fim, o projeto altera o Marco Civil para recriar a censura pura e simples no Brasil. Os provedores de conexão poderão fazer o "bloqueio de acesso" integral de sites e serviços na internet. Isso será feito na própria infraestrutura da rede. Ou seja, afetará 100% dos brasileiros.
Esse tipo de filtragem é típico de países como Arábia Saudita, Irã, China ou Coreia do Norte. Se o projeto for adiante, o Brasil se juntará a esse seleto clube.
Na prática tudo isso funcionará assim: um político identifica que alguém falou que ele tem contas na Suíça em uma rede social. Ele notifica a rede social, que deverá remover o conteúdo "acintoso" em 48 horas. Pede então que seja revelada a identidade e endereço físico do internauta. Pega essas informações e aciona a Polícia Federal, que poderá então fazer uma "visita" a ele.
Se a rede social se recusar a obedecer, o político pedirá que ela seja bloqueada na íntegra no Brasil. Vai ter muito país autoritário com inveja desse sistema de controle brasileiro.


Texto de Ronaldo Lemos, na Folha de São Paulo.

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