domingo, 8 de novembro de 2015

Um grande livro de Tau Golin

A melhor e mais impressionante obra desta Feira do Livro de Porto Alegre tem a assinatura do historiador, professor da Universidade de Passo Fundo, Tau Golin.
É A Fronteira – 1763-1778, história da brava gente e miseráveis tropas de mar e terra que conquistaram o Brasil meridional (Méritos). São 832 páginas de pesquisa exaustiva, instigante e rigorosa. Tau é um dos grandes historiadores gaúchos em atividade. Não tem medo de enfrentar mitos, não faz concessões a folcloristas e não teme ácaros e poeira de arquivos. Quando publica algo, descobre, revela e traz novidades.
Neste terceira volume, pois é disso que se trata, Tau Golin aborda a etapa final da “guerra entre Portugal e Espanha pelo domínio da América Meridional”. A edição, com mapas e ilustrações, é de deixar qualquer um de língua de fora. Imagino o tempo que Tau levou trabalhando como um obstinado para construir um livro tão consistente. Historiadores como Tau não escrevem preocupados com vendas, com autógrafos ou com a compreensão fácil dos apressados. Cumprem o fatigante dever de procurar a verdade, essa verdade que anda meio fora de moda em alguns redutos da produção de conhecimento.
Aperitivo: “A fronteira meridional do Rio Grande de São Pedro converteu-se em área de conflito e predomínio de clima beligerante após a ocupação realizada pela expedição de Pedro de Cevallos em 1763. Tensões de toda ordem. Súditos negociavam suas pertenças, trocando de reino. O contrabando transformara-se em modo de vida. Os recrutados potencializavam deserções e traições, especulando com informações. A escravaria convertera-se em mercadoria ainda mais preciosa e causa de prejuízos e incontáveis queixas de lusitanos. Em tal conjuntura, os espanhóis eram acusados de não devolver os cativos aos seus senhores. Por seu lado, o governo espanhol responsabilizou as autoridades do Brasil de não coibirem os inúmeros grupos de gaudérios e criminosos que iam realizar razias, arreadas de gados, roubos de missioneiras, saques às estâncias e vilarejos”. É pouco?
Tau Golin complementa esse parágrafo elucidativo com uma estocada reveladora: “E o mais grave: a bandidagem castelhana encontrava no território brasileiro o espaço de recepção do produto de seus roubos, asilando-se sob a proteção de suas autoridades e de comerciantes poderosos”. Foi assim. Saque dos daqui, saque dos de lá, luta encarniçada pelas riquezas da época. Não há acumulação primitiva de capital sem barbárie ou sem ações às margens da lei. Pode-se, claro, chamar uma razia de Califórnia e cantar em prosa e verso o que era contado em voz baixa para despistar as formas da lei ou ignorar acordos firmados a distância dos fatos, dos campos e dos apetites.
Essa obra de Tau Golin, que já nasce de referência, tem um fecho devastador que faz pensar sobre as dores e delícias de ser o que somos ou pensamos ser: “No Brasil meridional, o espectro gaudério constitui uma das heranças mais evidentes de baixa civilidade e do chauvinismo do Sul. Uma ferida narcísica que não cessa de purgar”.
Claro que um livro tão bom não ganhará espaço no Jô Soares e outros programas de bobagens cult. Tau Golin precisaria tornar-se marqueteiro para ser recebido pelas vacas sagradas.
Quem sabe de unhas pintadas?

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