terça-feira, 10 de novembro de 2015

Desespero no estilo americano

Algumas semana atrás, o presidente Barack Obama zombou dos republicanos que estão "hostis com os Estados Unidos" e reforçou sua mensagem fazendo uma imitação bastante boa da Grumpy Cat [gata que tem cara mal-humorada e faz sucesso na internet]. Ele tinha uma teoria: com as taxas de crescimento de emprego inéditas desde os anos 1990, com a porcentagem de americanos cobertos por seguro-saúde atingindo picos recordes, as previsões catastróficas de seus inimigos políticos parecem cada vez mais distantes da realidade.
Mas, existe uma sombra que se espalha sobre parte de nossa sociedade. E não entendemos realmente por quê.
Houve muitos comentários, e com razão, sobre um novo trabalho feito pelos economistas Angus Deaton (que acaba de ganhar um Nobel) e Anne Case, mostrando que a mortalidade entre os americanos brancos de meia-idade vem aumentando desde 1999. Esta deterioração ocorreu enquanto os índices de mortalidade caíam constantemente tanto em outros países como entre outros grupos em nosso país.
Ainda mais notáveis são as causas relacionadas à crescente mortalidade. Basicamente, os americanos brancos estão se matando em números ascendentes, direta ou indiretamente. O suicídio aumentou muito, assim como as mortes por intoxicação por drogas e a doença de fígado crônica causada pelo excesso de bebida alcoólica. Vimos esse tipo de coisa em outros momentos e lugares --por exemplo, na redução da expectativa de vida que afetou a Rússia após a queda do comunismo. Mas é um choque vê-la nos EUA, mesmo de forma atenuada.
As conclusões de Deaton-Case, porém, se encaixam em um padrão bem estabelecido. Diversos estudos mostraram que a expectativa de vida dos brancos com baixo nível educacional está caindo em grande parte do país. O aumento dos suicídios e o uso excessivo de opioides são problemas conhecidos. E enquanto a cultura popular pode se concentrar mais na metanfetamina do que em analgésicos vendidos sob prescrição ou no bom e velho álcool, não é realmente novidade que existe um problema de drogas no país.
Mas o que está causando essa epidemia de comportamento autodestrutivo?
A se acreditar nos suspeitos de sempre à direita, é tudo culpa dos liberais. Os programas sociais generosos, eles insistem, criaram uma cultura de dependência e desespero, enquanto os humanistas seculares minaram os valores tradicionais. Mas (surpresa!) essa opinião é muito discordante das evidências.
Por um lado, o aumento da mortalidade é um fenômeno unicamente americano --mas os EUA têm ao mesmo tempo um Estado assistencialista muito mais fraco e um papel muito mais forte da religião e dos valores tradicionais do que qualquer outro país avançado. A Suécia dá a seus pobres muito mais que nós, e a maioria das crianças suecas hoje nasce fora do casamento legal, mas o índice de mortalidade dos suecos de meia-idade é apenas a metade do dos americanos brancos.
Vemos um padrão um tanto parecido em todas as regiões dos EUA. A expectativa de vida é alta e está aumentando na região nordeste e na Califórnia, onde os benefícios sociais são mais altos e os valores tradicionais, mais fracos. Enquanto isso, a expectativa de vida baixa e estagnada ou em declínio se concentra no Cinturão da Bíblia [partes do sul e centro-oeste dos EUA onde predomina o protestantismo fundamentalista].
Que tal uma explicação materialista? O aumento da mortalidade é uma consequência do aumento da desigualdade social e do esvaziamento da classe média?
Bem, não é tão simples. Afinal, estamos falando sobre as consequências do comportamento, e a cultura claramente importa muito. Mais notavelmente, os americanos hispânicos são bem mais pobres que os brancos, mas têm uma mortalidade muito mais baixa. Provavelmente é válido notar, nesse contexto, que as comparações internacionais consistentemente revelam que os latino-americanos têm um bem-estar subjetivo maior do que se esperaria, dada a sua renda.
Então o que está acontecendo? Em uma entrevista recente, Deaton sugeriu que os brancos de meia-idade "perderam a narrativa de suas vidas". Isto é, seus problemas econômicos os atingiram com força porque eles esperavam coisa melhor. Ou, para colocar de outro modo, estamos vendo pessoas que foram criadas para acreditar no Sonho Americano e enfrentam mal o fato de que este não se realiza.
Esta me parece uma hipótese plausível, mas a verdade é que não sabemos realmente por que o desespero parece estar se espalhando pela América média. Mas claramente está, com consequências perturbadoras para nossa sociedade como um todo.
Em particular, sei que não sou o único observador que vê uma ligação entre o desespero refletido nesses números de mortalidade e a volatilidade da política de direita. Algumas pessoas que se sentem abandonadas pela história americana se tornam autodestrutivas; outras voltam-se contra as elites que elas acham que as traíram. Não, deportar imigrantes e usar bonés de beisebol com slogans não vai resolver seus problemas, mas cortar os impostos sobre ganhos de capital também não. Então você pode compreender por que alguns eleitores se uniram em torno de políticos que pelo menos parecem sentir sua dor.
Nesta altura, você provavelmente espera que eu ofereça uma solução. Mas enquanto o atendimento de saúde universal, os salários mínimos mais altos, a ajuda à educação etc. fariam muito para ajudar os americanos em dificuldades, não tenho certeza se são suficientes para curar o desespero existencial.

Texto de Paul Krugman, no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Nenhum comentário:

Postar um comentário