quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Intolerância


Ando cansada do Facebook –ou, mais exatamente, das demonstrações de intolerância pelos meus "amigos" em resposta ao mais recente atentado terrorista no mundo ocidental, motivado por... intolerância. Depois dos radicais islâmicos matando a esmo, agora são judeus pedindo a cabeça de muçulmanos, cristãos exigindo contrição de muçulmanos-não-terroristas. Acho curioso: ateus recebem desconfiança generalizada pelo simples fato de não acreditarem em um Deus, mas quem vejo disseminar o ódio generalizado são aqueles cujas religiões pregam compaixão e tolerância. Ou será essa suspeita também intolerância enviesada de minha parte, eu que sou ateia declarada?
Ainda bem existe a ciência, com observações sistemáticas e controladas, para nos livrar de um mundo de "achismo". Um estudo recém publicado na revista "Current Biology" comparou o comportamento altruísta e as tendências punitivas de crianças de 5 a 12 anos, cristãs, muçulmanas ou não religiosas, nos EUA, Canadá, Qatar, Jordânia, Turquia, África do Sul e China.
No estudo, os pais religiosos avaliaram seus filhos como ainda mais empáticos do que pais não religiosos julgaram serem os deles. Mas não foi isso o que o comportamento das crianças mostrou.
No primeiro teste, as crianças tinham a oportunidade de doar a um colega de escola, em segredo, alguns dos 10 adesivos que haviam acabado de ganhar dos pesquisadores. Crianças criadas em famílias muçulmanas ou cristãs doaram em média três de seus dez adesivos; crianças de famílias não religiosas, quatro.
Também foram as crianças não religiosas as mais benevolentes com estranhos que elas viam agredir terceiros em vídeos: seu julgamento do agressor era menos negativo do que o de crianças muçulmanas ou cristãs, e a punição que crianças não religiosas achavam justa era mais branda do que a advogada pelas crianças muçulmanas.
Conclusão: o cérebro humano é intrinsecamente capaz de boas ações. Não é preciso ser religioso para ser uma criança altruísta, piedosa, ou para entender direitos humanos. Deixar a religião de fora de questões morais não reduziria a bondade humana -muito pelo contrário. Ao ser perguntada sobre o que o intolerante-mor Donald Trump deveria ler para entender melhor o Islã, a também norte-americana (e muçulmana) Dalia Mogahed respondeu bem: "Não quero que ele entenda o Islã. Quero que ele entenda a Constituição". 


Texto de Suzana Herculano-Houzel, na Folha de São Paulo

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