Tive uma relação franca e aberta com Roberto Civita em meus anos de Abril. Uma vez ele me disse que me tinha como a um filho, e em outra me chamou de um dos melhores publishers do mundo, uma “mosca branca”, para usar sua expressão, por eu reunir segundo ele habilidades de editor e de administrador.
Pessoalmente, era uma pessoa adorável, um contador de casos divertido e inteligente.
Roberto Civita teria sido um excelente embaixador da Abril, uma posição em que poderia usar as virtudes que lhe faltavam como editor.
Jornalistas, dizia ele, têm uma vantagem sobre todas as demais atividades. Podem saciar sua curiosidade sem parecerem fofoqueiros: é o jornalismo que as leva a fazer perguntas e mais perguntas, muitas delas indiscretas.
Até por causa disso, jamais deixei de perguntar nada a RC. Nos últimos anos dele, perguntei várias vezes como ele deixara a Veja chegar ao abismo editorial em que hoje está atolada.
Cheguei a cunhar uma expressão em 2006: a Veja se “mainardizara”. Tornara-se uma extensão do então colunista Diogo Mainardi.
Curioso notar, quase dez anos depois, que a imprensa como um todo se mainardizou, na fúria persecutória e desonesta contra Lula.
Tudo isso posto, eu perguntaria a Roberto Civita, hoje, se não lhe ocorreu que era uma indecência viajar no avião de Minas Gerais , com a mulher Maria Antônia, por convite de Aécio.
Milton Friedman, o brilhante economista conservador, tinha uma frase muito citada na mídia brasileira: “Não há almoço grátis.” Jornalistas da Folha dizem que era o motto de Octavio Frias, o velho.
Também não existe vôo grátis. Alguém paga, e no caso era o contribuinte mineiro. A gasolina, o piloto, a manutenção, tudo isso foi bancado, na viagem de RC e sua mulher, pelo cidadão de Minas.
É parte da cultura da plutocracia brasileira: nós podemos tudo.
Você pode imaginar como a Veja trataria o assunto se chegasse à revista a informação de que Lula e Mariza voaram de graça num avião cedido por um governador petista.
É uma lei não escrita segundo a qual os escravos têm que obedecer a leis que não vigoram para os donos.
O episódio joga luzes também nas relações entre Aécio e o PSDB e os barões da mídia.
Os tucanos optaram, em sua trajetória, em se acercar não do povo, mas dos donos das empresas de jornalismo.
É revelador o depoimento do jornalista Clayton Netz, que me substituiu na direção da Exame em 2000.
“Certa vez, no fim de 2002, eu estava na sala do Roberto Civita quando a conversa foi interrompida pelo Aécio, que à época era presidente da Câmara dos Deputados”, conta Clayton. “O Doutor Roberto disse: ‘Esse rapaz vive ligando para mim. Não toma nenhuma decisão sem me consultar’.”
Sim. Fora as mamatas concretas oferecidas com dinheiro público, os proprietários das corporações de mídia seviciaram em ser adulados abjetamente por políticos como Aécio.
Parte do ódio a Lula se explica no fim da bajulação. Lula não os consultava. Eles não podiam mais dizer para as mulheres, os amigos e mesmo subordinados como Clayton: “O presidente não toma nenhuma decisão sem me consultar.”
De volta à minha questão: o que RC teria pensado ao subir no avião?
A melhor resposta, para mim, é: nada.
Para ele e para seus colegas barões, privilégios com o dinheiro público eram, como na França dos Luíses, direitos adquiridos.
Texto de Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo.
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