domingo, 8 de novembro de 2015

Porto Alegre, cidade do Velho Oeste

Tenho medo de fantasma, mas não de ladrão. Em 35 anos de Porto Alegre, nunca me deixei levar pelos discursos inflamados sobre o crescimento da violência. Ando na rua com certa tranquilidade. Mas, ultimamente, tenho visto tantas cenas assustadoras que me rendi. Porto Alegre virou uma cidade do Velho Oeste. Nada mais fácil do que ver alguém de revólver na mão, ouvir tiros e até ver alguém ser baleado ou morto. Em três semanas, vi três cenas chocantes. Numa manhã, assisti, na frente do Mercado Público, à caça a um batedor de carteira.
O cara corria feito louco. A multidão o perseguia ululando.
Eram gritos como aqueles de índios em filmes de faroeste. Chovia.
O homem corria, resvalava e caía. Levantava e corria. Os gritos eram cada vez mais fortes. O ladrão passou por mim em alta velocidade. A massa vinha atrás. A caçada terminou na Voluntários da Pátria. A polícia estava no bolo e impediu algo mais grave. Fiquei parado, sob meu guarda-chuva, refletindo. Havia medo e histeria no ar. Tomei meu rumo. Na semana seguinte, dentro de um lotação, percebi um movimento estranho. Um cara subiu, aproximou-se do motorista, mostrou-lhe uma pistola, recolheu o dinheiro, desceu e sumiu nas vielas de uma vila. Ao motorista indignado restou soltar um grito:
– Isso não vai ficar assim!
Ficou. Na última segunda-feira, voltando da faculdade pelas onze da noite, de carona com minha colega Cleusa, desci na frente de casa no momento em que dois homens tentavam correr mais rápido do que suas pernas. Atrás deles, dois policiais. Cleusa tentou me avisar. Parei no canteiro central da rua e deixei perseguidos e perseguidores passarem. Até me perguntei: de onde me vinha tal frieza? Não sei. A gritaria intensificou-se. Cleusa seguiu em direção à sinaleira. Ouvimos dois tiros, dois estampidos secos. Um homem foi ferido.
Entrei no edifício com um vizinho. Pensei comigo sem poder expressar.
– Como é estranhar chegar em casa ouvindo tiros.
Os assaltantes haviam colocado um revólver na cabeça de uma moça com o filho no colo na frente do seu edifício. A polícia estava passando. Deu-se a perseguição. Cena comum numa cidade violenta. Encontro o nosso diretor comercial João Miller conversando com nosso diretor de redação, Telmo Flor. Miller conta que viu um assaltante ser atingido por uma bala de um policial, correr alguns passos e cair duro. Nos dois casos, uma “boa” notícia: a polícia estava presente. Nos dois casos, más notícias: a violência virou metástase. É muito difícil encontrar alguém que não tenha uma história similar para contar. Vou a shows no auditório Araújo Vianna. Na saída, as pessoas aglomeram-se e quase galopam em direção a portos seguros.
É triste.
Qual a saída? Uma corrente garante que basta aumentar a repressão. Outra, sustenta que é preciso diminuir a desigualdade social. Uma terceira, afirma que é tudo culpa das drogas. Todas as hipóteses parecem razoáveis. Enquanto a solução não aparece, andar na rua está virando uma aventura. Chegar são e salvo, uma façanha. Somos sobreviventes de uma tragédia.
A causa é óbvia: desigualdade social profunda, falta de perspectivas, futuro certo: sem futuro.
A elite branca não percebe que cava a cada dia a sua sepultura.
Quer país europeu sem fazer a divisão social europeia.
Planta miséria, colhe violência.

Reprodução do Blog do Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo

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