Chamava-se Nanato, tinha seus 80 e tantos anos e vivia solito no Durasnal, num ranchinho de tábuas podres coberto por capim santa-fé. Mateava numa cuia pequena e rachada, com uma bomba de alpaca. Quando passava na frente, me dava uma tristeza imensa de ver aquele ancião, um trabalhador que passara a vida adubando as terras com seu suor, ali, daquele jeito, abandonado, atirado ao desengano.
Um dia apareceu no bolicho lá de casa numa égua prenha só com o freio e um pelego sobre o lombo. Disse que, quando a égua parisse, iria amansar a cria e que a ensinaria a chorar, pois quando morresse precisava de alguém que chorasse na sua cova. Na época, até ri daquele velho doido, mas depois que foi embora, meus olhos se encharcaram de pena. Quando contei o fato, alguns caçoaram do mulato velho, fizeram troça. Tempos depois, vieram contar que tinham visto seu Nanato com o potrilho, um baio cabos negros, para lá e para cá. Vendera a égua para se sustentar, vivia com muito pouco, quase na miséria. Os vizinhos ajudavam trazendo-lhe alguns mantimentos, uns trocados e assim o coitado ia tocando sua sina. No bolicho, quando comprava um quilo de arroz, eu botava dois; feijão, a mesma coisa. Enfiava em sua mala de garupa umas bolachas, uns caramelos, tudo o que cabia. A minha mãe incentivava. Num fim de ano, fui levar-lhe um ranchinho, doces e refrigerantes. A tudo agradeceu e disse que gostava de saber que alguém ainda tinha compaixão dele. “E sua família, seu Nanato, de onde o senhor é?” “Não sei, dizem que fui vendido numa fazenda ainda pequeno, sou sozinho no mundo.”
Naquele dia vi o potro na soga, passei a mão pelo pescoço macio e vendo seus olhos tristes o batizei de Chorão. Depois disseram que o velho o levava todos os dias no lugar onde havia pedido permissão para ser sepultado, um antigo cemitério abandonado na Coxilha dos Guimarães. Já estava indo embora quando ele pediu. “Quando eu me for, quero que fique com o potro, com a condição que todos os domingos o solte na estrada, ele saberá o que fazer.” Então, quando seu Nanato morreu, levei o potro para casa e, aos domingos, ele já me esperava na porteira. Era só abri-la que saía aos pulos, no rumo do cemitério. Voltava à tarde, ao passo, com a cabeça molhada de tanto chorar… Depois ainda dizem que os bichos não têm alma. Na outra semana, não resisti, montei no meu Tostado e o acompanhamos em sua tarefa. Então, ao ver a cena do potro olhando a tumba e chorando pelo amigo morto, apeei, fiz uma prece à sua alma e chorei também… No outro domingo, abri a porteira e, surpresa, o Chorão não saiu. Talvez tenha se dado conta que agora não precisava, pois seu Nanato havia encontrado um humano que chorava por ele…
Texto de Paulo Mendes, no blog campereadas, no Correio do Povo.
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