Vivemos para ver em 2016 um golpe de estado travestido de rito constitucional, conduzido por uma corja de falsos moralistas, néscios e ladrões, transmitido ao vivo pela TV Torcida e pela Torcidanews em sessões da Câmara dos Deputados e do Senado.
Registre-se que o processo não passa apenas pelo casuísmo da oposição e dos conspiradores de gabinete usando cretinos em bancadas de telejornal e na rua, vestidos de pato, como fantoches. As origens históricas desse golpe estão no primeiro governo Lula, quando a esquerda deu um golpe em si mesma. O PT hoje paga caro pela sua promiscuidade fisiológica e pelos acordos que fez para manter-se no poder –e, infelizmente, a conta não é só dele.
Agora, assistimos a um governo de origem popular que selou alianças com a oligarquia nacional através de esquemas massivos de corrupção, sendo substituído pelos plutocratas de pedigree em pessoa sentados atrás da mesa. Sem margem de manobra, tensão interna ou qualquer esboço de agenda de defesa de direitos ou políticas compensatórias. Não faz diferença? É o que veremos a partir de hoje.
ANISTIA E FORO PRIVILEGIADO
A "reconstrução nacional" de Temer, inaugurada com a cassação de 54 milhões de votos, passará antes de tudo por um acordo de anistia aos corruptos do lado certo.
Após alimentar, desde a reeleição de Dilma, uma crise econômica, política e institucional –ao adicionar a um governo frágil e desastroso pautas bomba no Congresso, terrorismo político e uso de boa parte da imprensa e do Judiciário para estimular sectarismo, violência e narrativas irreconciliáveis– a oposição, ao virar governo, já mudou a chave do discurso, apontando salvadores da pátria.
Os salvadores da pátria de Temer serão exatamente os mesmos que tanto conspiraram para esta crise, mas não importa. Com um discurso de reconstrução nacional, serão os responsáveis por assar com as brasas do incêndio uma grande pizza para o partido-câncer do Brasil e suas linhas auxiliares.
Não é do interesse do PMDB, do PSDB e de outras siglas-rêmora que a Operação Lava-Jato continue. Ela deve parar no PT e, no máximo, sacrificar uma ou outra liderança da oposição golpista.
Pela sua atuação recente, sobram motivos para acreditar que o juiz Moro e o STF sigam a mesma linha. E se o governo do PT ironicamente criou as condições institucionais para que ele mesmo fosse investigado e condenado (alguém lembra do que foi Geraldo Brindeiro, engavetador e parceiro de Carlinhos Cachoeira em anos FHC?), imaginem o que nos espera agora.
Afinal, alguém realmente acordado apostaria na Operação Lava-Jato esgotando todas as suas possibilidades de investigação com o PMDB instalado no Palácio do Planalto? Com esse nefasto ministro da Justiça no cargo? É muito talento para a esperança. Ou para o cinismo. Se as instituições funcionarem, eles serão os primeiros a cair. E tudo indica que isso não irá acontecer.
Dos ministros de Temer, um ficha-suja inelegível citado por diversas fontes na Lava Jato, sete são citados na operação. Assumindo, ganharam foro privilegiado. Isso não era obstrução da Justiça até outro dia? Isso está na manchete de algum jornal dessa sexta-feira, 13 de maio? Onde está o herói Sérgio Moro, o nosso capitão Nascimento do Judiciário?
Talvez os jornais prefiram repercutir a declaração mentirosa e hipócrita de Temer: "A Lava-Jato tornou-se referência e deve ter prosseguimento". Talvez o juiz Moro esteja distraído. Talvez daqui a pouco o pessoal se esqueça, se a TV e os mercados derem uma ajudinha.
ORDEM E PROGRESSO
O golpe de Temer dará início a um processo de arrocho econômico ainda pior, sem falar de uma agenda de redução de direitos –os nossos, não os deles. Distopia? Não.
Esse 12 de maio infame foi apenas um dia em que o Brasil foi mais Brasil. Onde o povo segue assistindo o resultado das conspirações palacianas "bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava", desde a proclamação fajuta da nossa República idem. Não por acaso, a recuperação do lema positivista pelos usurpadores da vez.
Para alguns apoiadores desse golpe, pode ter sido didático que tenham longamente escutado e visto bem do lado de quem estão. Será mais ainda, em alguns meses, quando finalmente entenderem o tamanho da monstruosidade que apoiaram.
Isso está apenas começando.
Texto de J. P. Cuenca, na Folha de São Paulo.
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