quarta-feira, 25 de março de 2015

A retórica de Netanyahu

As relações EUA-Israel chegaram ao fundo do poço. A incursão de Binyamin Netanyahu na política interna americana para pôr a pique o acordo nuclear com o Irã; sua cínica campanha de propaganda antiárabe; sua adesão, posterior rejeição e depois adesão à criação do Estado palestino e suas críticas frequentes a Barack Obama, o aliado mais poderoso de Israel, tudo isso fraturou o apoio unificado da comunidade judaica americana a Israel.
No ano passado, sinagogas americanas debateram como reagir à guerra chocante na faixa de Gaza. Um consenso aproximado emergiu: é ok, na realidade necessário, criticar e ainda assim amar Israel, ao mesmo tempo rejeitando as alegações absurdas de que o Hamas seja qualquer coisa senão uma organização terrorista que visa a destruição de Israel.
Israel ainda gozava do benefício da dúvida. Contudo, as ações calculadas de Netanyahu colocaram Israel em colisão com os EUA. É provável que o relacionamento político se recupere com o tempo. Mas receio que a polarização esteja alimentando o antissemitismo nos EUA, especialmente nos campi.
Natalie Charney, a presidente estudantil da seção da organização Hillel na UCLA, expôs o problema ao "The New York Times": "As pessoas dizem que ser anti-Israel não é o mesmo que ser antissemita. O problema é que a cultura anti-Israel, em que se critica exclusivamente o Estado judaico, produz um ambiente em que atacar estudantes judeus é visto como algo normal."
Organização universitária judaica, a Hillel está presente em 500 universidades dos EUA. Quando uma estudante é presidente de uma seção da Hillel, podemos supor que ela represente uma corrente de pensamento e experiência majoritária como judia americana jovem.
Ela já deve ter visitado Israel, ter tido seu bar-mitzvá e estar servindo à sua comunidade mais ampla em questões de justiça social que não se limitem apenas a temas relacionados a Israel ou ao judaísmo.
Antes da guerra de Gaza, uma pesquisa com estudantes judeus nos EUA constatou que 54% já tinham testemunhado ou sofrido antissemitismo no campus. Para citar alguns exemplos, suásticas e outras pichações neonazistas, depredação de sedes de grêmios judaicos e, na UCLA no mês passado, um esforço para impedir uma estudante de participar de um conselho de governança estudantil, pelo fato de ser judia.
Nos últimos anos, uma campanha palestina para promover boicotes, desinvestimento e sanções conseguiu mobilizar grupos estudantis em todo o país contra Israel.
Se existe algum caso de ativismo contra os desmandos de qualquer outro país (pense na Síria), em nenhuma instância chega a esse nível. Como foi o caso do antissemitismo ao longo da história, o ativismo anti-Israel tomou o lugar do sentimento de revolta dos que não têm poder, e o estudante judeu passou a ser símbolo do "privilégio branco".
Não podemos atribuir toda a culpa por isso a Bibi, mas indispor-se com o presidente e a classe política americanos é ruim não apenas para Israel, mas também para os judeus americanos.


Texto de Julia Sweig, publicado na Folha de São Paulo

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