segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A oportunidade histórica de Obama

O que o presidente dos EUA vai dizer aos seus cidadãos? O que ele dirá aos cidadãos do mundo? Como ele vai racionalizar a oposição de seu país ao reconhecimento do estado palestino? Como ele explicará sua posição, que vai contra a posição do mundo esclarecido – e menos esclarecido?

E, sobretudo, o que Barak Obama dirá a si mesmo antes de deitar a cabeça no travesseiro? Que os palestinos não merecem um estado? Que eles tem a chance de consegui-lo por meio de negociações com Israel? Que eles não têm direitos iguais no novo mundo que pensamos ele viria a estabelecer?

Será que ele admitirá para si mesmo que, por conta de considerações eleitoreiras – sim, Obama está se mostrando bastante oportunista – ele também está prejudicando os interesses de seu país, tanto como os (verdadeiros) interesses de Israel, e agindo também contra sua própria consciência?

Está difícil, hoje, entender a América de Obama. O homem que prometeu mudança está se tornando o pai dos conservadores americanos. No que concerne a Israel, não há diferença entre ele e o último a brindar no Tea Party. Nós não esperamos uma grande negociação de Hillary Clinton; ela pode continuar a recitar falas ocas a respeito de negociações, mas Obama?
Até tu, Brutus? Afinal de contas, em sua fala do Cairo você prometeu uma nova alvorada para o mundo muçulmano, prometeu uma nova América para o mundo árabe. E o que veio disso? O mesmo velho lobo americano – que cega e automaticamente apoia toda e qualquer extravagância de Israel, de tal modo que não está claro qual é o poder do mundo e qual é o protetorado – e sequer vestido em pele de cordeiro.

O enigma permanece sem solução: como é isso de a supostamente nova América continuar entoando as mesmas velhas músicas de seu passado nefasto? Como é isso de Obama está se comportando como se não soubesse que os palestinos não vão mais concordar em viver mais quatro décadas sem direitos civis, certamente não diante de tudo o que está ocorrendo no despertar do mundo árabe?

O enigma permanece sem solução porque é difícil compreender como um presidente negro, que acredita na justiça e na igualdade, pode se render com uma ternura tão insuportável a um governo de direita em Israel, estreitar as considerações eleitorais na América e render-se aos lobbys judaico e cristão. Está difícil compreender como sua América não entende que isso é dar um tiro em si mesmo com uma arma letal no coração, ao se dar suporte à recusa de Israel em fazer a paz.

Afinal de contas, no fundo do seu coração este presidente americano sabe que as demandas dos palestinos têm fundamento, porque eles também são dignos, finalmente, de tornar-se independentes – e que Israel apoia a ocupação. Por que se tem de esperar pelo livro das memórias, que ele certamente escreverá um dia, para escutar isso? Ele sabe que a Primavera Árabe, que irrompeu em certa medida no rastro de seu discurso no Egito, voltará agora a sua ira e ódio contra a América, simplesmente por causa de sua insistente oposição à liberdade palestina.

Obama também deve saber que a preocupação com o futuro de Israel e com a amizade genuína para com o país deve incluir o apoio ao estabelecimento de um estado Palestino. Este é o único modo de neutralizar a faísca que está para incendiar toda a região contra Israel e contra os EUA. Ele também sabe que a postura de Israel contra o mundo inteiro mais uma vez despertará a hostilidade do mundo contra o líder estadunidense. E tudo isso por que? Por um punhado de votos nas próximas eleições.

Isso não pode ser uma desculpa para alguém visto como um líder promissor com tamanha consciência histórica. Uma pessoa que vende os interesses de seu país e sua própria visão de mundo em seu primeiro mandato vai exibir o mesmo oportunismo no segundo.

Como é patética a visão dos dois emissários americanos que mais uma vez vêm e vão na região e distribuem ameaças. E para quem? Aos palestinos, que estão em nova rota diplomática, mas não ao governo de Israel, por sua recusa destrutiva. Como é patético ver Dennis Ross, o eterno Sr. Negociador americano de quase todas as administrações, dando voltas em Ramallah e Jerusalém, como tem feito ao longo de décadas. Essa é a velha, má América, como se não houvesse Obama.

O presidente dos EUA tem esta semana a oportunidade histórica de fortalecer o status de seu país, ou de justificar retroativamente o Prêmio Nobel da Paz que recebeu, demonstrando o verdadeiro compromisso de impor a paz na região mais perigosa para o destino do mundo, e de mostrar preocupação genuína com o bem estar de Israel – mas o que temos em vez disso?

George Bush. George Bush para os pobres.

Tradução: Katarina Peixoto


Texto de Gideon Levy, no Haaretz, jornal israelense, reproduzido na Agência Carta Maior

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