sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Em memória do pai, a luta por refúgio no Reino Unido


Em memória do pai, a luta por refúgio no Reino Unido

Por NINA BERNSTEIN

CLAPHAM, England - O menino tinha 13 anos quando, ao alvorecer, uma visita das autoridades de imigração acabou com os quatro anos de luta do seu pai para ser reconhecido como um refugiado no Reino Unido.
Ao anoitecer daquele dia, em 2005, pai e filho estavam a centenas de quilômetros de casa, trancados no Centro de Remoção da Imigração Yarl's Wood, instituição privada aqui em Clapham, à espera de serem deportados, na manhã seguinte, para Angola, sua terra natal.
Logo depois da meia noite, em desespero, o pai, Manuel Bravo, 35, caminhou até uma escadaria com um lençol e se enforcou.
O bilhete que ele deixou explicava o motivo: para que seu filho, órfão, pudesse permanecer no Reino Unido.
De fato, a lei não permitia a deportação de um órfão que não tivesse ninguém à sua espera. Uma família britânica que conhecia os Bravos da igreja levou o garoto, Antonio, para casa.
Antonio, hoje com 19 anos, é aprendiz de eletricista e quer ser engenheiro.
Não muito longe do túmulo de seu pai, no alto de uma colina, ele divide uma casa centenária com cinco britânicos, e visita regularmente a família que o criou. "Eu quero deixar meu pai orgulhoso, e não sentir que ele entregou sua vida à toa", disse ele.
Mas, em setembro, Antonio enfrentará novamente a ameaça de deportação.
Por causa de alterações nas leis, ele não poderá pleitear a cidadania neste ano, como esperava. Sua autorização de residência temporária, concedida por razões humanitárias, está prestes a expirar, sem um caminho claro para a renovação.
A história de Antonio é emblemática dos crescentes esforços desta nação para repelir a migração indesejada, por meio de um sistema parcialmente administrado por particulares.
E as regras não param de mudar. No ano passado, Antonio foi aprovado em um novo "exame de britanismo", para então descobrir que isso não conta mais.

Uma família em fuga
Manuel Bravo, sua mulher, Lidia, o filho deles, Nelio, 3, e o filho de Bravo, Antonio, 10, cuja mãe morreu no parto dele em Angola, pediram refúgio ao pousarem no aeroporto de Heathrow, em outubro de 2001.
Bravo descreveu-se como um agricultor preso e submetido a abusos pelo governo de Angola por causa da sua atuação em um partido pró-democracia fundado por seu pai.
Impedidos de trabalhar, eles foram enviados a Armley, um subúrbio proletário de Leeds, para aguardar uma decisão. Lá receberam ajuda de Catherine Beaumont, voluntária do centro de auxílio aos imigrantes da Igreja de Cristo.
No entanto, a solicitação deles empacou na fila, já que o número de candidatos ao refúgio no Reino Unido saltou para 84 mil por ano em 2002.
Também rapidamente cresceu a hostilidade pública por causa da revelação de que poucos dos que tinham o pedido negado deixavam o país. A maioria ficava ilegal em solo britânico.
A solicitação de Bravo foi rejeitada em 2004, por insuficiência de provas. Bravo não tinha advogado na audiência de recurso.
"Ele ficou realmente desmoralizado", disse Antonio. "Ele se sentiu inútil."
No outono de 2004, a família se dividiu. Lidia voltou a Angola com Nelio para cuidar de parentes doentes. Foi detida e voltou a fugir, para a Namíbia, segundo se soube. Bravo não viveu para saber que ela acabou chegando a Portugal, onde obteve asilo.
Na madrugada de 14 de setembro de 2005, oito agentes chegaram à pequena casa geminada dos Bravos. "Não consigo tirar isso da minha cabeça", disse Antonio. "Eles arrombaram a porta, piscando luzes. Algemaram nós dois -eu me senti como um criminoso, e não fiz 'nowt'"- "nada", no dialeto do norte da Inglaterra.
Mais tarde, autoridades carcerárias questionariam a necessidade desse "robusto exercício do poder estatal" após uma longa inação, qualificando-o de "francamente cruel".

Máquina carcerária
Os Bravos haviam entrado no mundo da fiscalização terceirizada da imigração.
Estavam sob custódia da empresa anglo-dinamarquesa hoje conhecida como G4S.
Seus guardas os levaram para uma antiga base militar onde, atrás de forte aparato de arames farpados, funciona o centro de detenção Yarl's Wood, instalado em 2001 pela empresa.
Os terceirizados atualmente administram 7 dos 11 centros de detenção de imigrantes no Reino Unido, cuja capacidade cresceu 75% desde 2001.
Antonio ainda é assombrado pelo momento em que os guardas da G4S encarregados do transporte descobriram uma corda de varal nova na mala do pai dele.
Tiraram a corda de Bravo, que estava sob tratamento para depressão, mas nunca alertaram o Yarl's Wood.
Uma enfermeira do Yarl's Wood confiscou os antidepressivos de Bravo sem perguntar se ele tinha tendências suicidas.
Pai e filho foram escoltados através de oito portas trancadas até um quarto, onde Antonio esperou enquanto Manuel Bravo fazia telefonemas desesperados. Quando voltou, o homem trazia más notícias: a deportação estava marcada para 10h30. "Ele disse: 'Não importa o que aconteça, seja bravo e forte, e tenho orgulho de você'", contou Antonio.
Antonio estava dormindo quando câmeras de segurança registraram o suicídio do pai dele.
O relatório do ombudsman em 2006 aponta que durante horas ninguém aceitou a responsabilidade de acordar o menino para lhe contar que seu pai havia morrido, e que depois ninguém lhe explicou que ele não seria deportado sozinho.
"Eu só chorei quando Catherine [Beaumont] chegou", relembrou Antonio. "Ela veio e disse: 'Nós amamos você e queremos que venha viver conosco'." Mas os funcionários não permitiram que ele fosse embora, evocando os interesses do menino.
Antes de ser autorizado a ficar com a família Beaumont, Antonio passou cinco dias sendo "avaliado" por estranhos idosos que o enchiam de chá.
"Foi quando eu fiz a transição de africano para britânico", disse ele, "uma xícara de chá a cada meio minuto".

Assimilado e rejeitado
Antonio recebeu uma "proteção humanitária" por cinco anos, o que na época poderia levá-lo à cidadania. Mas, em meio à recessão, o Reino Unido endureceu sua atitude com os estrangeiros.
Uma reforma na lei da cidadania eliminou a relação entre ser residente temporário e ser radicado, por isso a década passada por Antonio no Reino Unido não é mais suficiente para solicitar uma permanência definitiva.
Sua autorização de permanência expira em 18 de setembro. Ele precisou esperar até 28 dias antes dessa data para solicitar uma prorrogação e demonstrar que ainda necessita de proteção.
Enquanto isso, o governo promete reduzir pela metade a imigração, que hoje é de cerca de 200 mil pessoas por ano.
Para Antonio, há uma ironia pessoal: Nelio, 13, voltou ao Reino Unido com seu passaporte português, ou seja, da União Europeia, para viver com amigos portugueses perto de Manchester.
Lidia regressou a Angola, um país agora em paz, mas que Antonio não conhece.
"Minha família é inglesa", disse ele, referindo-se aos Beaumonts. "O Reino Unido é a minha cultura."


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