terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Lamento morar num país que não está preparado para receber você, vacina

 Mais uma manhã em que acordo pensando em você, esperando o dia em que nos encontraremos, mesmo sem a menor ideia de quando esse dia vai chegar.

Dizer que sonho contigo todas as noites seria mentira, pois nem todas as noites consigo dormir. Sem você por perto me sinto amedrontada, vulnerável, desprotegida. Os efeitos colaterais da tua ausência são devastadores.

Preciso de você. Logo eu, que nunca me considerei uma pessoa romântica, e hoje me vejo confinada em uma canção do Roberto Carlos da década de 1980: “Meu amor, não dá para suportar/ me ajude a sufocar/ a solidão que há em mim...”.

Só você pode trazer de volta minha paz, minhas noites de sono, minha vontade de sair de casa, minha esperança no futuro e até minha fé na humanidade. Você faz parte de absolutamente todos os meus planos.

Quero que você se sinta acolhida no seio da minha família, no meu círculo de amigos, entre meus colegas de trabalho, vizinhos e seus respectivos familiares e amigos, e os familiares dos amigos dos amigos dos vizinhos dos colegas de trabalho dos familiares de amigos e assim por diante.

Não consigo ser egoísta a ponto de querer sua companhia só para mim.

Mesmo sem lhe conhecer pessoalmente, acompanho a distância você ganhar o mundo e lamento morar em um país que ainda não está preparado para lhe receber.

Nós duas sabemos muito bem quem está por trás de todo esse atraso. Ele ama a morte e você ama a vida, é por isso que ele quer lhe desqualificar a qualquer custo, inventando absurdos a seu respeito, questionando suas intenções, insistindo que você é perigosa.

Por aqui, sigo fantasiando com o dia em que vou vestir minha melhor roupa e usar a minha melhor máscara só para te encontrar.

O dia em que enfim serei tomada pelo braço e levada ao limite do prazer e da dor enquanto você percorre o meu corpo me transformando de dentro para fora, e transformando o meu mundo, de fora para dentro.

Meu único desejo para o ano novo é você, vacina.


Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo


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