terça-feira, 21 de agosto de 2018

Porte de armas, correlações e ideologias

O debate sobre porte de armas ressurge a cada eleição. Raramente se presta atenção a um termo muito apreciado por sociólogos e estatísticos: correlação. Por que uma palavra tão bonita não é mais usada? A Dinamarca proíbe a aquisição e o porte de armas de fogo. A Noruega permite que cada cidadão se arme à vontade. A taxa de homicídios por cem mil habitantes/ano na Dinamarca é menos de um. Na Noruega também. O que se conclui? Que nos casos citados não há correlação entre possuir ou não armas e violência. Em 2007, os noruegueses assassinaram duas pessoas com armas de fogo. Foi tudo. Em 2011, porém, um norueguês maluco executou 69 pessoas com um fuzil.
Existem países com muitas armas nas mãos das pessoas e baixa violência. A Suécia é um exemplo disso. Existem países com poucas armas nas mãos das pessoas e baixa violência. O Japão proíbe armas e tem 0,3 homicídios por cem mil habitantes/ano. Conclusão: armas não produzem necessariamente violência. Nem necessariamente a inibem. O que produz? Basta dar uma olhada nos países mais violentos do mundo para se ter uma ideia. O que eles possuem em comum além da violência? Alto nível de desigualdade. Honduras costuma figurar como o país mais violento do mundo: 92,7 homicídios por cem mil habitantes/ano. A miséria atinge 70% das pessoas. Belize também é do pelotão da frente.
Nesse pequeno país da América Central a taxa de assassinatos por cem mil habitantes/ano não baixa de 40. Sem ser o país mais pobre, Belize tem uma das mais altas taxas de pobreza extrema da sua região. O porte de armas é legal em Honduras. Uma correlação surge: violência e desigualdade. Velha conhecida. Quanto mais desigual for uma sociedade e mais armas estiverem disponíveis, mais violência haverá. A lista dos campeões de violência anda, como quase sempre, assim: Honduras, El Salvador, Venezuela, Colômbia, Belize, Guatemala, Jamaica e Trinidad e Tobago… O que eles compartilham? Desigualdade. Não é a pobreza que pega antes de tudo. É a distribuição desigual da riqueza.
Quantos países têm alto grau de desigualdade e baixo índice de violência? A ideia de que armar todo mundo produzirá um efeito dissuasivo nos criminosos talvez esconda uma utopia conservadora radical: diminuir a violência sem precisar diminuir a desigualdade. Ficar com anéis sem perder os dedos. O resultado mais imediato desse projeto existencial e político é a vida em fortalezas urbanas como shoppings e condomínios fechados. A baixa violência em países armados não é o fruto da cultura e da educação como se diz. Essa ideia sugere que uma boa doutrinação gera cidadãos corretos e dispostos a aceitar a sua condição social dentro da legalidade mesmo sem vislumbrar perspectivas de melhora. A educação, a cultura e a baixa violência são o produto de políticas públicas de redução da desigualdade. É isso.
Correlações. O Brasil precisa melhorar as suas polícias, aperfeiçoar o sistema prisional, asfixiar a corrupção. Nada derrubará a violência se continuarmos campeões de desigualdade. É tão claro que parece falso. Pronto, falei.

Do blog do Juremir Machado da Silva, no Correio do Povo

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