quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Eleitor, mobilize esse traseiro gordo!

O eleitor chegou em casa muito tarde, depois de meia-noite. Entrou sem fazer barulho, para não acordar a mulher, que já devia estar dormindo. E ela estava mesmo dormindo, mas numa poltrona da sala, em frente à televisão ligada.
O eleitor foi até o banheiro, deu uma mijada, lavou as mãos e depois foi para a cozinha. Pegou um prato de comida, que já estava pronto, esquentou no micro-ondas, abriu a geladeira, pegou uma lata de cerveja e foi para a sala.
Quando ia sentar no sofá se lembrou de que não tinha trazido um copo. "Beber cerveja direto da lata não dá, ninguém merece", ele pensou.
Essa era uma de suas poucas convicções na vida. Reunindo a energia que ainda lhe restava, voltou à cozinha para pegar um copo limpo. De volta à sala, sentou-se no sofá e começou a jantar.
Aí é que ele se deu conta de que na televisão estava rolando um debate entre os candidatos a presidente da República. Enquanto jantava, acompanhou um pouco do debate e, de repente, o eleitor percebeu que precisava se posicionar. Estava com uma insuportável dor na coluna, e aquele sofá velho só piorava a situação.
Ele tinha que se posicionar. Tentou sentar mais um pouco para a direita, mas não adiantou. A dor na coluna aumentou muito. Depois, jogou o peso do corpo para o outro lado e inclinou um pouco para a esquerda. Por alguns momentos sentiu um certo alívio, mas logo depois a dor voltou.
Ficou, mais uma vez, na dúvida sobre seu posicionamento. Pensou que talvez a culpa não fosse dele, a culpa era daquele maldito sofá velho e deformado.
Depois de ver mais um pouco do debate, o eleitor pensou que deveria não apenas se posicionar, mas também se mobilizar. Ele então criou coragem e se mobilizou: levantou do sofá, procurou o controle remoto e desligou a televisão.
Já estava tarde pra caralho e ele tinha que acordar cedo. Mas foi dormir pensando que tinha que se mobilizar mais. No dia seguinte ele iria numa loja de móveis para comprar um sofá novo. Ele sabia que mandar reformar aquele sofá velho não ia adiantar nada.

Texto de Reinaldo Figueiredo, na Folha de São Paulo.

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