Umberto Eco, morto nesta sexta (19), aos 84, foi um caso raro de intelectual respeitado no meio acadêmico cujos livros foram enorme sucesso de vendas. Um pensador que transitava com a mesma desenvoltura em universidades prestigiadas e programas de televisão populares.
Eco já tinha uma carreira de quase 25 anos como autor de trabalhos acadêmicos influentes sobre semiótica, mídia de massa e filosofia medieval quando lançou, em 1980, o primeiro de seus sete romances. E foi um marco: "O Nome da Rosa", um mistério sobre uma série de assassinatos de monges ocorridos num monastério italiano no século 14.
"O Nome da Rosa" estabeleceu, pelo menos para o grande público, o estilo do Umberto Eco romancista: um criador de histórias envolventes e intelectualmente ambiciosas. Para completar o sucesso, Hollywood bateu à porta e fez uma versão resumida e ultracomercial do livro, com Sean Connery no papel do frade William de Baskerville e Christian Slater interpretando seu pupilo.
Eco nunca escondeu que não gostou da adaptação. Em 2011, disse ao jornal inglês "The Guardian": "Um filme não pode fazer a mesma coisa que um livro. Um livro como aquele era um sanduíche com peru, salame, tomate, queijo e alface. Mas o filme precisa escolher só o queijo e o alface, eliminando todo o resto: o lado teológico, o lado político etc.".
CONSPIRAÇÕES
Os romances seguintes de Eco não atingiram a popularidade de "O Nome da Rosa", mas mantiveram as características de sua ficção, que explorou temas de interesse do autor -conspirações, ciência, história medieval, religião, misticismo, semiótica- em tramas intrincadas sobre personagens estranhos.
Desses, os dois mais famosos foram "O Pêndulo de Foucault" (1988) e "O Cemitério de Praga" (2010).
O último livro de Eco, "Número Zero", lançado em 2015, periga ser a história mais real e "jornalística" escrita por ele. Certamente é a mais desesperançada e evidencia a decepção do autor com a sociedade e política italianas.
Eco deixa de lado as divagações filosóficas e a "erudição pop" de seus romances anteriores para contar, de forma simples e direta, uma trama de intriga e poder passada na Itália nos anos 90. O personagem principal é Colonna, um jornalista contratado por um magnata para comandar um novo jornal, "Amanhã", que o ricaço quer usar como arma para destruir a reputação de inimigos e aumentar seu cacife político.
Eco criou uma trama passada em um Estado corrupto e marcado por escândalos, e em uma sociedade que parece ter perdido a capacidade de se indignar, de tanto conviver com crimes e negociatas. Em alguns trechos, a impressão é de que Eco está falando do Brasil.
Texto de André Barcinski, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário