domingo, 21 de fevereiro de 2016

Umberto Eco é caso raro de sucesso de vendas com respeito intelectual


Umberto Eco, morto nesta sexta (19), aos 84, foi um caso raro de intelectual respeitado no meio acadêmico cujos livros foram enorme sucesso de vendas. Um pensador que transitava com a mesma desenvoltura em universidades prestigiadas e programas de televisão populares.
Eco já tinha uma carreira de quase 25 anos como autor de trabalhos acadêmicos influentes sobre semiótica, mídia de massa e filosofia medieval quando lançou, em 1980, o primeiro de seus sete romances. E foi um marco: "O Nome da Rosa", um mistério sobre uma série de assassinatos de monges ocorridos num monastério italiano no século 14.
"O Nome da Rosa" estabeleceu, pelo menos para o grande público, o estilo do Umberto Eco romancista: um criador de histórias envolventes e intelectualmente ambiciosas. Para completar o sucesso, Hollywood bateu à porta e fez uma versão resumida e ultracomercial do livro, com Sean Connery no papel do frade William de Baskerville e Christian Slater interpretando seu pupilo.
Eco nunca escondeu que não gostou da adaptação. Em 2011, disse ao jornal inglês "The Guardian": "Um filme não pode fazer a mesma coisa que um livro. Um livro como aquele era um sanduíche com peru, salame, tomate, queijo e alface. Mas o filme precisa escolher só o queijo e o alface, eliminando todo o resto: o lado teológico, o lado político etc.".

CONSPIRAÇÕES

Os romances seguintes de Eco não atingiram a popularidade de "O Nome da Rosa", mas mantiveram as características de sua ficção, que explorou temas de interesse do autor -conspirações, ciência, história medieval, religião, misticismo, semiótica- em tramas intrincadas sobre personagens estranhos.
Desses, os dois mais famosos foram "O Pêndulo de Foucault" (1988) e "O Cemitério de Praga" (2010).
O último livro de Eco, "Número Zero", lançado em 2015, periga ser a história mais real e "jornalística" escrita por ele. Certamente é a mais desesperançada e evidencia a decepção do autor com a sociedade e política italianas.
Eco deixa de lado as divagações filosóficas e a "erudição pop" de seus romances anteriores para contar, de forma simples e direta, uma trama de intriga e poder passada na Itália nos anos 90. O personagem principal é Colonna, um jornalista contratado por um magnata para comandar um novo jornal, "Amanhã", que o ricaço quer usar como arma para destruir a reputação de inimigos e aumentar seu cacife político.
Eco criou uma trama passada em um Estado corrupto e marcado por escândalos, e em uma sociedade que parece ter perdido a capacidade de se indignar, de tanto conviver com crimes e negociatas. Em alguns trechos, a impressão é de que Eco está falando do Brasil.


Texto de André Barcinski, na Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário