No apagar das luzes de seu mandato, o ex-presidente promoveu um jantar
no Palácio do Planalto para a nata do PIB nacional –Odebrecht, Gerdau,
Lázaro Brandão, entre outros - com direito a vinho francês e refinado
menu. Mas o prato principal era obter dinheiro para o financiamento de
seu instituto após sair da Presidência. Conseguiu naquela noite a
bagatela de R$ 7 milhões.
O filho do ex-presidente teve as contas de um hotel de luxo em Ipanema,
onde morou por certo período, pagas por um grupo empresarial do setor
têxtil. Andava pra lá e pra cá de BMW e tinha um jatinho permanentemente
à sua disposição. Isso tudo com o pai ainda na Presidência da
República.
O ex-presidente e seu partido foram acusados por certo senhor, que foi
seu Ministro de Estado e figura ativa na campanha eleitoral, de terem
apropriado nada menos que R$ 130 milhões de sobras de campanha em sua
primeira eleição, sendo R$ 100 milhões de caixa dois. Disse ainda que o
recurso foi provavelmente enviado ao exterior.
O nome deste ex-presidente é Fernando Henrique Cardoso. O filho pródigo é
Paulo Henrique Cardoso. E o acusador dos desvios na campanha de 1994 é
José Eduardo de Andrade Vieira, banqueiro que foi ministro da
Agricultura de FHC.
Nenhum desses fatos é novidade. Mas não renderam dez minutos no "Jornal
Nacional" por dias a fio nem repetidas manchetes da Folha. Não fizeram
também com que FHC e seu filho fossem intimados a depor pelo Ministério
Público.
Se fosse o Lula...
Aliás, o mesmo Ministério Público de São Paulo que intimou Lula e sua
esposa não denunciou nenhum agente político no escândalo do "trensalão"
tucano e arquivou o caso das irregularidades no monotrilho, que
apareciam numa planilha apreendida com Alberto Youssef.
Seguindo a toada, o Ministério Público de Minas Gerais também pediu o
arquivamento do caso do aeroporto de Claudio. O então governador Aécio
Neves (PSDB) desapropriou a fazenda de seu tio para construir um
aeroporto, cuja chave (do aeroporto "público") ficava em poder de sua
família. O MP mineiro não viu motivo algum para intimar Aécio ou
oferecer denúncia.
FHC é tratado pela mídia como grande estadista e nunca foi incomodado
pelo MP ou pela Polícia Federal. Em seu governo, aliás, ambos eram
controlados na rédea curta. Suas transações com o pecuarista e
empresário Jovelino Mineiro, seja na controversa fazenda de Buritis
(MG), seja na hospedagem frequente em apartamento na capital francesa,
nunca geraram grande alarde. Atibaia desperta mais interesse que Paris.
Aécio, por seu lado, desfila em Brasília como defensor da moralidade.
Tal como FHC é aplaudido em restaurantes e não tem porque se preocupar
com investigações. Seu nome apareceu em mais de uma delação da Lava
Jato, mas não cola.
Em relação a Lula, a disposição é outra. Uma canoa vira iate. E o
depoimento de um zelador é tratado como condenação transitada em
julgado.
É verdade que Lula e o PT pagam o preço de suas escolhas. Não
enfrentaram em seu governo a estrutura arcaica do sistema político
brasileiro, onde interesses públicos e privados sempre conviveram
promiscuamente. Mantiveram intocado o monopólio midiático empresarial,
que hoje os dilacera. E optaram por uma aliança com a elite econômica,
pensando talvez que seriam tratados como os "de casa". Chocaram o ovo da
serpente.
Mas criticar suas escolhas estratégicas - como é o caso aqui - não
significa legitimar um linchamento covarde e com indisfarçado interesse
político. Se há acusações em relação a favorecimentos da OAS ou da
Odebrecht, que Lula seja investigado. Como Fernando Henrique nunca foi e
os grão-tucanos não costumam ser.
Contudo, investigação - e jornalismo investigativo - não podem carregar
as marcas das cartas marcadas e da seletividade. Definir que Lula é o
alvo e, depois, fazer uma devassa pelo país em busca de um argumento
factível é transformar investigação em achincalhamento e argumento em
pretexto.
Como gosta de dizer um famoso morador de Higienópolis: "assim não pode, assim não dá".
Texto de Guilherme Boulos, na Folha de São Paulo.
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