País tisnado pela hipocrisia como traço natural da herança da Inquisição, o Brasil não aceita como natural a profissão de lobista, um advogado de interesses junto a governos e parlamentos, profissão que é a maior indústria de Washington, com 1.500 firmas e 80.000 pessoas dela vivendo.
O lobista de perfil americano faz um contrato de prestação de serviços para uma empresa, governo, ong ou qualquer outro grupo de interesses e vai defender esses interesses junto à Casa Branca, ao Congresso, aos Departamentos, às agências reguladoras, aos governos estaduais. Se for a governos estrangeiros, o contato precisa ser registrado no Departamento de Justiça e torna-se público. Praticamente todos os governos do planeta tem lobistas em Washington, o maior cliente que trabalha com vários escritórios é a República Popular da China. A Venezuela chavista chegou a ter 16 escritórios a seu serviço, o Equador boliviano tinha a maior firma de lobby como contratada. O Brasil é o único grande Pais do planeta que não tem e nunca teve lobista em Washington por uma questão cultural que vê o lobby como pecado, do mesmo modo que a Inquisição via a bruxa como a encarnação do demônio.
A frente anti-lobby mais profunda vem do Itamaraty, que considera o lobby concorrente da Embaixada, quando nada tem a ver um com outra. O lobby trabalha nos bastidores, de forma não oficial e que não compromete o País, cujo interesse defende porque o lobista fala com o outro lado no happy hour, no clube de golfe, no fim de semana.
O lobista pode falar com assessores de Senadores, da Casa Branca, dos Ministérios, sem envolver numa sondagem o nome da Embaixada, que quando aborda um Departamento do Governo só pode fazê-lo de forma oficial, o que diminui a possibilidade de abordagens. Por outro lado a Embaixada não tem número suficiente de pessoal para percorrer continuamente Departamentos, agências, congressistas e muitas vezes por questão protocolar nem pode fazê-lo.
O lobista é cara de pau, não tem dignidade nacional a defender, pode ser mais grosso e mais direto que um diplomata.
No Brasil o lobista é visto como delinquente ou no mínimo como picareta, mas não podendo ser oficial vira clandestino quando todos perdem, o cliente, ele mesmo que se arrisca a ser preso e a sociedade que convive com lobistas sem poder identifíca-los claramente e portanto sem poder policiá-los e tê-los sob relativo controle.
No entanto, o lobista é engrenagem fundamental para grande projetos e grandes negócios. Eles são o fermento de alguns projetos fundamentais de infraestrutura, criadores de iniciativas, juntam pontas que não se conhecem, levam projetos a Ministérios, arrumam o financiamento, ajudam a passar no Congresso. São como abelhas que polinizam as plantas.
Lobistas conhecidos e arrojados foram fundamentais na construção do grande parque hidroelétrico brasileiro dos anos 50 aos anos 90, traziam financiamentos, construtoras, fabriantes de equipamentos, tinham acesso a governos estrangeiros e montavam os pacotes que permitiram ao Brasil ter hoje o maior parque hidroelétrico do planeta, quase todo ele feito com esses pacotes de governo a governo mas sempre com lobista no meio, juntando vários mundos diferentes.
O depoimento de José Dirceu mostrou como o Brasil é hipócrita e bisonho ao tentar fingir que desconhece essa atividade fundamental. Nos EUA, grandes personagens da História são lobistas, como Henry Kissinger, que pode cobrar 30 mil dólares por um telefonema que geralmente vale muito mais. Matem o lobista e os grandes projetos secam ou nem aparecem porque grandes projetos só se tornam realidade após vencer muitas barreiras que um empresário comum jamais conseguirá vencer sozinho porque é hoje muito difícil alguém conseguir por de pé um projeto de grande porte sem apoio profissional.
Há dois bons projetos no Congresso para regulamentar o lobby, esperemos que os falsos moralistas não barrem.
Não adianta não gostar ou fingir espanto, o mundo funciona assim há seculos, copiam tanta coisa ruim dos EUA, está aí uma ideia boa que esqueceram de copiar, o grande teatro nacional da hipocrisia prefere fingir que não existe.
Texto de André Araújo, no Jornal GGN.
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