sexta-feira, 10 de maio de 2013

Morte de homem que ateou fogo no corpo em protesto contra corrupção abala Bulgária


Os protestos ocorridos nos últimos três meses na Bulgária incluíram várias auto-imolações (atear fogo ao próprio corpo) que pretendiam chamar a atenção para a corrupção entre as elites políticas que mantêm ligação com o crime organizado. Mas poucos esperam que as eleições parlamentares do próximo domingo (12) mudem muita coisa.

A Prefeitura da cidade de Varna é uma monstruosidade desajeitada do final da era comunista, com janelas espelhadas e um dossel de concreto postado bem acima da porta de entrada. As pessoas instintivamente abaixam a cabeça ao entrar no prédio. Plamen Goranov ateou fogo ao próprio corpo na praça em frente a esse edifício, que tenta transformar cidadãos em súditos.

Pouco antes das 7h30 do dia 20 de fevereiro passado, Goranov apareceu na frente do gabinete do prefeito carregando um pequeno container com gasolina e uma faixa. "A câmara municipal deve renunciar", gritou ele antes de derramar gasolina sobre seu corpo e atear fogo em si mesmo.

O que aconteceu depois ainda não foi totalmente esclarecido. Será que os funcionários públicos da cidade realmente reagiram o mais rápido possível e pegariam um extintor de incêndio? Houve uma briga com a equipe de segurança?

Na ambulância, Goranov teria dito a um paramédico que sua intenção era fazer um protesto, e não se matar. No entanto, ele morreu devido a graves queimaduras 11 dias depois.

Os amigos de Goranov passaram um longo período procurando testemunhas. Cerca de 20 pessoas devem ter visto a auto-imolação de Goranov, mas ninguém está disposto a falar abertamente sobre o assunto. Há também gravações de vídeo do incidente, realizadas por quatro câmeras de vigilância apontadas para a praça. Mas as autoridades não parecem querer disponibilizar os vídeos.

Goranov não foi a primeira nem a última pessoa a atear fogo ao próprio corpo na Bulgária recentemente. Cinco outros homens desesperados também cometeram suicídio por auto-imolação, mas o caso dele, que tinha 36 anos, foi amplamente divulgado. Ele era um ativista de longa data, engajado no combate à corrupção e ao abuso de poder --e sua intenção era protestar contra o governo.

"Plamen atuou como a nossa consciência moral", diz Nick Todorov, amigo do ativista.
Segundo Todorov, Goranov era um alpinista que amava a natureza e também gostava de trabalhar ocasionalmente como limpador de janelas. Ele diz que seu amigo tentou viver sua vida sem prejudicar os outros, sem se tornar um fardo para a sociedade e sem destruir o meio ambiente. Goranov também estava na linha de frente dos protestos contra o governo que assumiu o poder em fevereiro passado.

Desde a morte de Goranov, apareceram faixas na praça em frente à prefeitura. Uma delas diz: "Vocês inspiraram a nossa coragem e o nosso amor à liberdade". Em outra faixa, a palavra "Plamen" aparece escrita em letras amarelo-flamejantes e douradas. Plamen também significa "fogo" em búlgaro.

Goranov tornou-se um herói para os manifestantes que têm protestado contra o governo nos últimos três meses. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo o país – aproximadamente 30 mil pessoas participaram das manifestações de protesto em Varna, que é uma cidade de grande porte e estância balneária localizada na costa do Mar Negro. Apesar de os manifestantes estarem aparentemente protestando contra o aumento dos preços da energia elétrica, seu alvo real é a classe política corrupta do país.

O primeiro-ministro búlgaro, Boiko Borisov, já foi obrigado a renunciar em fevereiro passado, em resposta à pressão das ruas. Há duas semanas, veio à tona um escândalo que também pesa sobre o ex-primeiro-ministro. Uma conversa grampeada revelou que ele, aparentemente, tentou encobrir um caso de corrupção. A Bulgária elegerá um novo parlamento no próximo domingo, mas de acordo com uma pesquisa realizada pela agência de notícias Novinite, 41% dos cidadãos estão convencidos de que a eleição será fraudada. Na verdade, há pouca esperança de que o pleito traga alguma mudança verdadeira. Borisov está concorrendo novamente, mas a oposição é considerada igualmente corrupta pela população.

O crime organizado no controle

Os grupos da velha guarda que sobraram da era comunista dividiram o país. Eles dominam o parlamento e agências governamentais, garantem os melhores contratos para si mesmos, ameaçam a imprensa e atuam em conluio com o crime organizado. A Bulgária é o país mais pobre da União Europeia (UE) e sua economia está estagnada. Aproximadamente 500 mil búlgaros já emigraram.

A euforia de 2007, quando a Bulgária foi aceita na UE antes do prazo previsto, desapareceu completamente. A União Europeia acaba de decidir que não aceitará o país no Espaço Schengen, que permite a livre circulação de pessoas nos países do bloco sem a exigência da apresentação de passaporte nas fronteiras.

Mas a morte de Goranov abalou a Bulgária. Desde então, os moradores de Varna têm se reunido todos os domingos na praça onde aconteceu a auto-imolação para realizar cerimônias religiosas. Eles empilharam pedras para criar um memorial para Goranov, usando como inspiração o poema "Gramada", do famoso escritor búlgaro Ivan Vazov, no qual aldeões constroem uma montanha de pedras na frente da casa de seu prefeito para protestar contra a aliança do governante com as forças do mal, os invasores otomanos.

Goranov também acreditava que os políticos de Varna estão em conluio com as forças do mal. Mas, neste caso, essas forças estão por trás de uma companhia chamada TIM, que controla a cidade. E, cada vez mais, os búlgaros concordam com isso.

O nome TIM reúne as primeiras letras dos nomes dos três principais fundadores da empresa, ex-soldados de elite que criaram uma companhia de segurança e proteção pessoal. O logotipo da empresa inclui a imagem de um cavalo de troia.

Comenta-se que a TIM levantou parte de seu capital inicial promovendo atividades como contrabando, jogos de azar, roubos de carro, prostituição e tráfico de drogas e que teria, supostamente, investido os recursos obtidos no mundo do crime em empresas legais. Rapidamente a companhia se transformou em um império. Em um despacho de 2005, publicado pelo site Wikileaks, o embaixador dos Estados Unidos descrevia o cartel como "a estrela em ascensão do crime organizado búlgaro".

Atualmente, o número de funcionários do Grupo TIM está estimado em cerca de 30 mil. A empresa possui ações da companhia aérea Bulgaria Air e opera seis emissoras de televisão, além dos maiores jornais de Varna e da empresa Chimimport, que negocia petróleo bruto, fertilizantes, produtos químicos e grãos.

"Varna é um reflexo de toda a Bulgária", diz Spas Spasov, um dos poucos jornalistas independentes do país e profundo conhecedor das atividades do Grupo TIM. Como a revista de Spasov, a Kapital, não pode pagar um escritório para ele, o jornalista de 53 anos trabalha em casa.

"A maioria dos políticos da câmara municipal não está interessada nos assuntos de Varna. Eles só querem encher os bolsos", diz Spasov. Eles são espertos o suficiente para não se meterem com a TIM, a maior e mais poderosa empregadora da cidade, explica o jornalista. Pelo contrário, diz Spasov, quase todas as vezes que algum contrato público está para ser concedido, eles acionam as empresas do Grupo TIM, em condições preferenciais e sem processo de licitação pública.

Mudar sem mudar

Spasov é o cronista desses escândalos. A TIM tem deixado o jornalista em paz até agora, e só o ameaçou uma vez, quando um dos executivos da empresa lhe enviou o clássico tratado militar chinês de Sun Tzu, "A Arte da Guerra". Em uma nota escrita à mão, o remetente comentava: "Você não deveria travar guerra contra alguém que você não pode vencer e nem é capaz de transformar em seu amigo".

Spasov não se intimidou e continuou escrevendo, especialmente sobre o Avenue No. 1, um caso típico de corrupção. O escândalo gira em torno de um parque localizado no centro de Varna, que se estende ao longo da costa. O parque inclui praias de areia fina, mansões à beira-mar, cafés e vestiários da década de 1920.

Na verdade, a cidade não tinha permissão para vender o parque, mas o prefeito e sua equipe apresentaram uma solução para a TIM. O status legal do terreno foi alterado e o preço de compra fixado em ridículos 50 euros por metro quadrado (cerca de US$ 6 por metro quadrado). A TIM planeja, agora, construir uma marina, hotéis, condomínios de luxo e restaurantes no local.

"Nós búlgaros não somos mais corruptos do que os povos de outras nações", diz Spasov. "O problema é que nós não tivemos uma verdadeira revolução em 1989". Todor Zhivkov, então ditador do país, foi deposto após uma revolta palaciana. "Mas, ao contrário do que aconteceu na Polônia e na Alemanha Oriental, as velhas elites permaneceram no poder", acrescenta Spasov. "Eles assumiram novos nomes e tomaram o controle das mais lucrativas empresas de propriedade do governo".

Plamen Goranov estava aparentemente desesperado com o fato de como TIM estava se apoderando de sua cidade. No verão passado, ele e um grupo de amigos organizaram uma performance em Varna, na qual três vermes – batizados de "T", "I" e "M" – devoravam uma maçã dourada. "Era para simbolizar a cidade", diz Radostina Petrova, que testemunhou a apresentação. Uma geladeira velha, fria e imóvel, representava os cidadãos.
"As pessoas se mostraram muito entusiasmadas com a apresentação", disse Petrova, que traz na cabeça um chapéu de feltro redondo que pertencia a Goranov.

"Eu estou abalada, mas não estou completamente surpresa com o fato de as coisas terem chegado aonde chegaram", disse Petrova, que até recentemente estava estudando design gráfico nos Estados Unidos.
Aparentemente, antes de morrer Goranov estava se sentindo cada vez mais frustrado. Quando uma multidão se reuniu para protestar em frente à sede da concessionária de energia local, ele disse: "Isso não vai mudar nada. Não há ninguém aqui. Ninguém nem mesmo vai ver a gente".

Outras pessoas afirmam que também o ouviram dizer algo como: "Talvez eu devesse atear fogo em mim mesmo".

O poema "Gramada", de Ivan Vazov, acaba mal – pelo menos para os poderosos. O prefeito é obrigado a fugir, mas a pilha de pedras continua crescendo.

 
Jan Puhl, para a Der Spielgel, reproduzido no UOL. Tradutor: Cláudia Gonçalves

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