sexta-feira, 10 de maio de 2013

Deportados têm esperança de uma segunda chance nos EUA


Erik García chegou ao portão de metal de um abrigo para imigrantes de Tijuana. Ele havia sido deportado de Los Angeles poucas horas antes. Depois de 23 anos vivendo nos Estados Unidos ilegalmente, ele de repente se viu expulso do país para onde se mudara quando menino, e separado de suas duas filhas adolescentes, ambas cidadãs norte-americanas.

Nesse mesmo dia, os senadores em Washington divulgaram uma surpresa: um projeto de lei de imigração que poderá permitir que os deportados como García retornem aos Estados Unidos, numa espantosa reviravolta nas políticas norte-americana para essa área, após anos de recordes de deportações.

"Sério?", disse García, 33, enxugando os olhos quando foi informado sobre o projeto. "Você tem certeza?"

Nenhum outro esforço do congresso norte-americano para alterar a lei de imigração do país ofereceu um alívio tão amplo e rápido para as pessoas deportadas pelo governo dos Estados Unidos. O projeto, apresentado no mês passado, daria uma segunda chance legal para dezenas de milhares de deportados sem antecedentes criminais graves e que têm um filho, pai ou cônjuge portadores de green card ou de cidadania norte-americana. Muitos deportados trazidos para os Estados Unidos antes de completarem 16 anos também poderiam se candidatar a retornar ao país.

Mesmo fazendo parte de um projeto de lei repleto de propostas ambiciosas e controversas, a medida relacionada aos deportados está se tornando um dos elementos mais contestados --para alguns, a cláusula é uma necessidade humanitária; para outros, ela é uma recompensa vergonhosa concedida a infratores.

Na quarta-feira passada, uma emenda apresentada pelo senador Jeff Sessions, republicano do Estado do Alabama que está entre os maiores críticos do projeto de lei, tentou retirar o indulto aos deportados da proposta. Outros adversários saudaram o projeto de lei como uma dádiva política, pois o consideram um absurdo tão grande que facilitará sua tarefa de derrotar o projeto de lei de imigração completo quando ele for submetido a votação. Mas alguns democratas e grupos de defesa dos direitos dos imigrantes se comprometeram em defender o retorno dos deportados, pois consideram a causa um passo importante para corrigir um erro.

"Deportamos 4 milhões de pessoas desde 2002, e quase 2 milhões desde 2008", disse Angélica Salas, diretora da Coalizão para os Direitos Humanos dos Imigrantes de Los Angeles. "Essa é a única maneira de reunir as famílias que foram destruídas pelas nossas políticas de imigração ultrapassadas, ruins e cruéis".

O projeto do senado dos EUA, um dos mais amplos esforços bipartidários em prol da imigração apresentado nas últimas décadas, reduziria as deportações futuras ao conceder a milhões de imigrantes que vivem nos Estados Unidos o status legal provisório. O projeto também poderia reduzir o tráfego ilegal do México em direção aos EUA, pois, como observaram os democratas envolvidos na elaboração da legislação, muitos dos imigrantes que atravessam a fronteira ilegalmente são pessoas que já foram deportadas e que estão tentando voltar para suas famílias nos EUA.

Mas ainda não ficou claro quem terá o direito de receber esse "bilhete premiado". De acordo com os termos da legislação, existem candidatos óbvios que são elegíveis para retornar aos EUA e alguns criminosos que claramente não são elegíveis --e há um mar de pessoas que podem estar posicionadas em algum lugar entre essas duas categorias.

Se o projeto de lei for aprovado, um épico processo de seleção será necessário.

Cerca de 70% dos imigrantes deportados durante os governos do presidente Obama foram enviados para o México, e a cidade de Tijuana recebeu mais deportados do que qualquer outro lugar. Desde 2008, mais de 461 mil imigrantes foram deixados nessa metrópole montanhosa, localizada ao sul de San Diego. Esses imigrantes inundaram bairros e restaurantes públicos --que distribuem comida gratuitamente-- e aumentaram a insegurança, uma vez que os deportados cometem crimes e também são vítimas deles.

"A cidade não tem recursos para cuidar deles", disse o prefeito de Tijuana, Carlos Bustamante. "Nós estamos sofrendo."

Atualmente, as residências e os albergues noturnos de Tijuana estão cheios de imigrantes --antigos e futuros--, como María Luisa Reyes, que deixou sua pequena cidade na região central do México, em 1989, aos 20 anos. Agora, ela tem três filhas nos Estados Unidos e tenta voltar para elas desde que foi deportada, há dois anos.

"Eu estava no departamento de imigração verificando a minha candidatura para obter o visto de permanência quando eles me disseram que o visto havia sido negado e que eu precisava ser deportada", disse ela. "Eles me prenderam ali mesmo."

"Minha filha mais nova tem 7 anos", acrescentou ela, que se encontra no limbo de um abrigo para mulheres de Tijuana. "Quando eu ligo, ela diz: 'Por que, mamãe, por quê?'"

García também tentou legalizar sua situação. Ele disse que chegou aos Estados Unidos quando tinha 10 anos e tentou legalizar seu status em 2007, quando trabalhava para uma das maiores empresas de catering da Califórnia. Mas, então, ele perdeu o emprego durante uma demissão em massa em 2010 e foi morar com sua irmã. Segundo García, ele nunca recebeu uma carta com a data de uma entrevista que os funcionários da imigração lhe enviaram. Uma ordem de deportação se seguiu --medida que García desconhecia até o mês passado.

"A polícia me parou e me pediu o meu documento de identificação", afirmou ele, sentado em uma sala gelada e vestido com os shorts que estava usando no momento de sua prisão. "Eles verificaram e encontraram um mandado de busca do departamento de imigração". Ele disse que, fora esse crime, sua ficha está limpa.

"Eu estava tentando me tornar pastor", disse ele. "Desde que eu me inscrevi para obter um green card, tenho orado a Deus para me ajudar."

Um assessor do Senado envolvido nas negociações legislativas disse que os deportados não terão direito de retornar automaticamente aos EUA: eles terão que enviar uma solicitação. Os deportados não serão elegíveis caso tenham sido expulsos por razões criminais ou caso tenham sido condenados por um delito ou por, pelo menos, três contravenções. As isenções serão concedidas a critério do secretário de Segurança Interna.

Advogados da área de imigração dizem que isso talvez signifique que as aprovações poderão ser incoerentes --e até mesmo aqueles que parecem ser elegíveis para voltar dizem que não confiam na possibilidade de que as mesmas autoridades que os deportaram os ajudem a retornar aos EUA de repente.

"Estou esperançosa, mas preciso estar preparada para a possibilidade de uma resposta negativa", disse Nancy Landa, 32, que se formou na California State University, em Northridge. Ela foi trazida para os Estados Unidos quando menina, mas foi deportada em 2009 porque seu advogado de imigração não conseguiu apresentar a documentação necessária. "Eu não estou muito confiante de que o processo realmente vai funcionar."

A principal complicação para os deportados pode ser a existência de repetidas infrações às leis de imigração e os vários processos que elas possam ter gerado --esses fatores poderão fazer com que imigrantes que cometeram infrações quase idênticas às leis de imigração tenham antecedentes criminais muito diferentes.

O crime de "nova entrada ilegal" para retornar aos Estados Unidos depois de uma deportação costumava ser reservado, em grande parte, a criminosos violentos. Agora, esse é o crime federal que mais tem sido objeto de ações penais. Mas nem todas as pessoas apanhadas pelas autoridades de imigração são acusadas desse crime.

"É arbitrário. Depende de quem te pega, quando e onde eles te pegam", disse David Leopold, advogado-chefe da American Immigration Lawyers Association (Associação Norte-americana dos Advogados de Imigração). "Dessa forma, é realmente uma questão de sorte saber quem será elegível ou não depois de uma nova entrada ilegal."

María Luisa Reyes parecia estar entre os sortudos. Nos últimos seis meses ela tentou atravessar a fronteira quatro vezes, mas todas as vezes se viu obrigada a retornar ao México ou foi pega pela patrulha de fronteira de San Diego. Certa vez, ela foi resgatada em uma montanha durante uma tempestade de neve depois de ter sido mantida refém de homens com armas e máscaras pretas, que fugiram quando viram os agentes norte-americanos. Mas ela ainda precisa ser julgada por todas as suas várias tentativas de retorno ilegal aos EUA.

Já o mecânico Víctor Pérez, que aguarda em uma longa fila para receber café da manhã gratuito perto da cerca da fronteira, disse que foi deportado depois de passar mais de um ano em uma prisão do Estado do Arizona. Ele foi preso por ter sido pego atravessando as montanhas dos arredores de Nogales, no Arizona. Esse foi seu terceiro delito relacionado à imigração. Ele disse que já havia sido deportado em 2005 após um guarda de trânsito ter pedido para ele parar, e novamente em 2008.

"Não é justo, para mim nem para muitos de nós", disse ele, olhando para a fila de distribuição de alimentos, onde, segundo os voluntários, 65% das 1.100 pessoas que aparecem todos os dias foram deportadas pelos EUA. "Eu não roubei nem machuquei ninguém. Eu só queria trabalhar."

Se não fosse por seu crime relacionado à imigração, Pérez, 28, teria uma chance maior de retornar com a ajuda da cláusula que favorece os deportados. Ele chegou aos Estados Unidos quando tinha 13 anos; sua esposa e dois filhos são cidadãos norte-americanos.

Onde quer que deportados se reúnam em Tijuana, histórias semelhantes surgem. Muitas delas começam por "se não fosse...".

Uriel Leo Ramírez, 38, disse que foi deportado depois que a polícia bateu na porta de sua casa, pois ele estava bêbado e discutindo com sua esposa. "Meus filhos têm 8 e 5 anos", ele disse.

Guadalupe Jiménez Griffith, 44, disse que foi deportada depois que seu marido doente (e já morto) utilizou o cartão da Previdência Social de outra pessoa para tentar obter a cobertura do Medicaid (sistema federal de seguro saúde para pessoas de baixa renda nos EUA) e dos serviços sociais. Os três filhos de Guadalupe nasceram nos Estados Unidos.

Em meio a essa multidão, García costuma ficar quieto. Ele encontrou um casaco para se manter aquecido e ainda pondera sobre suas chances remotas de voltar para sua família. Se pelo menos o projeto de lei passar, pensou. Se pelo menos ele conseguir aguentar tempo suficiente. "O que me preocupa são os próximos dois anos", disse ele. "O que vai acontecer agora?"

Reportagem de Damien Cave, para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor:
 Cláudia Gonçalves

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