sexta-feira, 10 de maio de 2013

Fábricas de Bangladesh têm "terceirizados dos terceirizados"


É impossível competir em feiura com Dacca. A capital de Bangladesh é o caos em forma de cidade, um amontoado de prédios inacabados, sem qualquer plano urbanístico, que tenta abrigar cerca de 14 milhões de habitantes.
Só a metade são moradores oficiais. O restante veio dos quatro pontos cardeais de um dos países mais pobres do planeta, com a esperança de dar uma mordida nos 6% de crescimento econômico, porcentagem que enche de orgulho o governo e transforma o antigo Paquistão Oriental em um dos exemplos mais bem-sucedidos do milagre econômico do subcontinente indiano.
Mas os migrantes rurais não se encontram nos reluzentes centros comerciais que servem como oásis de tranquilidade para a emergente classe média. Não, é preciso brigar com um tráfego impossível durante pelo menos uma hora para encontrá-los no cinturão industrial de Ashulia.
Ali, centenas de milhares de pessoas queimam tijolos com técnicas próprias da Idade Média, dão forma a caldeirões, pregam solas em sapatos e os mais afortunados tecem em alguma das inúmeras fábricas que compõem a Zona de Processamento de Exportações (EPZ na sigla em inglês), cenário das maiores tragédias da indústria têxtil do país.
Por 54 horas de trabalho por semana, e sempre sob a ameaça de desmoronamentos como o da Rana Plaza - mais de 500 mortos - ou incêndios como o da Tazreen Fashions, com 110 óbitos, a maioria dos trabalhadores ganha o salário mínimo mais baixo do planeta: 3 mil takas (R$ 76) por mês. No entanto, como aponta Jesmin, uma jovem que esteve empregada dentro e fora da EPZ, "embora não existam medidas de segurança adequadas e muitas vezes não se paguem as horas extras nem se concedam licenças maternidade, todo mundo quer trabalhar ali porque as condições de trabalho são muito melhores".
Não por acaso, das EPZ - criadas nos anos 1980 para promover as exportações, acelerar o crescimento econômico e criar empregos em bairros deprimidos - sai grande parte da produção têxtil do país e a segunda do mundo.

O setor contribui com aproximadamente 80% dos produtos exportados por Bangladesh - quase € 20 bilhões - e emprega 3 milhões de pessoas em cerca de 4.500 fábricas.
"O empresário os define com base em peças por hora. Sabem que nenhum ser humano poderia cumpri-los, mas dá na mesma. Para atingir a quota, temos de trabalhar duas ou três horas extras por dia sem receber", afirma Moni, empregada na Inmaculate.
"Cada vez é maior a pressão dos clientes estrangeiros para cumprir códigos de conduta que reduzem as margens de lucro", reconhece Hashi, que ganha 3.500 takas (R$ 86) em vez dos 4.200 que lhe correspondem pelo novo padrão, e que chegou a trabalhar três meses sem um dia de descanso e 15 noites seguidas na alta temporada. "Por isso, o pior trabalho é terceirizado para ateliês aonde nunca foi um inspetor."
Ahmed R., um adolescente de 13 anos que opera um antigo tear em um galpão de amianto, sabe bem disso. É preciso afastar-se vários quilômetros do centro para encontrar essas oficinas que nunca aparecem nos meios de comunicação e que, entretanto, sofrem condições de trabalho muito piores.
"Aqui produzimos tecidos que muitas vezes acabam na EPZ e chegam a Europa e América já confeccionados", reconhece o proprietário, que teme represálias e fala sob a condição do anonimato. "Muitos empresários bengaleses mentem sobre a origem do material."
Ahmed e seus companheiros de trabalho, alguns meninos de 12 anos, são os terceirizados dos terceirizados, o último elo de uma cadeia que acaba nas vitrines de todo o mundo. A maioria nunca ouviu falar da responsabilidade corporativa das grandes multinacionais, que de forma indireta acabam utilizando seus produtos.
"Poucas empresas controlam toda a cadeia de produção", reconhece Nazma Akter, presidente da Federação Têxtil Sommilito. "A pressão conseguiu que sejam feitas auditorias nas fábricas de onde sai o produto final, para evitar a péssima publicidade de tragédias como a da Spectrum [que produzia para a Inditex, entre outros, e cujo edifício desmoronou, deixando 64 mortos], mas poucos vão além."
A própria Inditex, que respondeu às perguntas de "El País" por meio de um endereço genérico de correio eletrônico, reconhece que não tinha consciência de que ali se fabricava material para o maior grupo têxtil espanhol. "Havia recebido de um fornecedor do grupo - sem nosso conhecimento e, portanto, sem nossa autorização - uma única ordem de trabalho de duas mil unidades."
Outras marcas internacionais tiveram problemas semelhantes, muitas vezes por culpa da opacidade de seus sócios locais. "As companhias estrangeiras têm grande responsabilidade, mas muitas vezes os empresários bengaleses faltam a suas promessas e subcontratam sem prestar contas a ninguém", aponta Amirul Haque Amin, presidente da Federação Nacional de Trabalhadores Têxteis de Bangladesh.
Pouco importam esses detalhes na fábrica em que trabalha Ahmed. No interior dela, o tremendo barulho das máquinas impede ouvir os próprios pensamentos, e o adolescente ri com vontade quando lhe perguntam se tem proteção para os ouvidos. Indica com o dedo os pés descalços e afirma que o que o preocupa são as agulhas que caem.
Ahmed trabalha em média 11 horas por dia e tem sorte quando lhe pagam em dia os 75 takas (R$ 1,90) que ganha por jornada. "Não é muito, mas ajuda a manter a família", afirma com orgulho indisfarçável enquanto posa diante da máquina que opera.
O amianto do telhado e as chapas de metal das paredes transformam o lugar em um forno insuportável, mas os cerca de cem homens que manipulam o maquinário parecem não sentir calor. A única corrente de ar que circula, e que levanta uma fina camada de poeira, provocando espirros constantes, é a que vaza pelos buracos deixados pela construção descuidada. "E a porta, que deixamos aberta para não asfixiarmos. O pior é na temporada de chuvas, quando não há como impedir que a água entre", comenta um dos trabalhadores, que no entanto relativiza seu trabalho. "Estão pior os que fabricam tijolos ou trabalham no campo."
O capataz da fábrica reconhece que a situação não é ideal. "Não nado em abundância como os empresários da EPZ. Tenho problemas para pagar os empregados porque meus clientes me pagam os pedidos tarde e mal. Afinal, o que importa são somente o preço, a qualidade e as datas de entrega. E não como se produz."
 
Zigor Aldama, para o El País, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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