Quando alguém pergunta qual é a minha profissão, respondo: professora, antropóloga, pesquisadora. É verdade, sou tudo isso. Mas o que mais gosto de fazer, e o que mais preciso fazer todos os dias, é escrever.
Minha caneta e meu caderno fazem parte do meu corpo, são uma extensão da minha mão e do meu coração. Não sei escrever ficção. Só sei escrever o que penso, o que sinto, o que observo, o que escuto. Quando escrevo me acalmo, me sinto segura e acho que assumo o controle da minha vida.
A minha primeira analista, quando eu tinha 21 anos, me aconselhou: “Mirian, para de escrever e vá viver a sua vida”. Não parei de escrever, e não parei de viver.
Escrever e viver são sinônimos para mim. Registro tudo nos meus cadernos, sem qualquer censura. Tenho centenas de cadernos guardados nos meus armários. Nunca li nada do que escrevi neles. Não foram feitos para serem lidos, mas apenas para serem escritos. Escrevo nas minhas noites de insônia, quando acordo no meio da noite, quando converso com alguém, quando caminho na praia. Escrevo dentro da minha cabeça, sem precisar de caneta e papel. Só sei pensar se escrevo.
Escrever não é o que eu faço. Escrever é o que eu sou. Não é o meu trabalho. É a minha vida. Não conseguiria sobreviver sem escrever. Escrever cura a minha ansiedade excessiva, meu pânico avassalador, minha tristeza interminável. É a forma que encontrei, desde menina, para ser eu mesma. Posso ficar sem comer ou sem dormir, mas desde os meus 16 anos não vivi um só dia sem escrever.
Quando me perguntam: Você escreve para quê? Não sei responder, pois escrever não é um meio para conseguir algo ou conquistar alguém. É uma necessidade vital. Não vivo para escrever. Escrevo para sobreviver.
Sou então uma escritora? Não sei responder, mas acho que não. Pois escrever não é um trabalho. É a minha sobrevivência, minha essência, minha identidade mais profunda. Nunca tive a coragem existencial de fazer da escrita a minha profissão. Talvez porque o que eu escrevo é tão íntimo, cotidiano, microscópico, que não pode ser lido por ninguém. Nem por mim mesma.
Muita gente não entende por que escrevo tantos cadernos se não são para serem lidos. Não preciso entender nem explicar por que escrevo. Seria como explicar por que estou viva e quero continuar vivendo. Preciso explicar isso?
Texto de Mirian Goldenberg, na Folha de São Paulo.
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