sábado, 12 de setembro de 2020

Arroz adere ao comunismo

 O governo federal definiu sua estratégia para combater a alta de preços na cesta básica. “Vamos cobrar patriotismo desse arroz aí“, discursou Jair Bolsonaro, sendo ovacionado por uma dúzia de arrozes de festa.

Ao notar a ineficácia da medida, Bolsonaro subiu o tom. “Esse arroz aí veio da China pra cá pra doutrinar a nossa população. Alimento comunista. Co-mu-nis-ta!”, esbravejou. “Vamos comer cloroquina, porra”, concluiu.

A Secretaria de Comunicação endossou a afirmação do presidente. “Infelizmente, há quem prefira parodiar o Uncle Ben e fazer pouco dos brasileiros.”

Mario Frias gravou um vídeo em que aparece diante dos verdadeiros alimentos da nação. “Você já parou pensar como seria se a gente pudesse olhar pro nosso prato assim? Do jeito que eu tô olhando pra essa mandioca?”, diz o ator, com uma trilha sonora épica. “São esses momentos que mostram uma coragem que até então não sabíamos ter.” Em seguida, o ator bate uma rabada…

Em poucas horas, uma enorme máquina de propaganda foi acionada. Imagens de Felipe Neto comendo arroz foram espalhadas pelo WhatsApp com a seguinte mensagem: “Este é o tipo de alimento que você quer que seus filhos consumam?”.

Num áudio de alerta, uma mãe esbaforida denuncia: “Grãos de arroz em forma de pênis foram parar no prato do meu filho hoje de manhã. É isso que a Globo quer que nossos filhos engulam quando puser no ar aquela campanha dizendo que ‘agro é pop’”.

Milhares de vídeos virais circulam pelo WhatsApp, Twitter e pela deep web acusando o arroz de pedofilia. “Assim como o seu filho pode comer arroz, o arroz também pode comer o seu filho”, mostra uma foto.

Pastores evangélicos convocaram os cidadãos de bem a aderirem em oração na Semana do Inhame. “O ARROZ É UMA VERGONHA! Tem hora que dá vontade de rir muito, tem hora que dá vontade de vomitar. Alimento cínico, parcial, mentiroso, esquerdopata, inescrupuloso e medíocre! Esqueceram que perderam o monopólio da mesa dos brasileiros”, tuitou o pastor Lázaro Atalaia.

À tarde, a pedido do senador Flávio Bolsonaro, a juíza Cristina Feijó, da 33ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, proibiu a Globo de divulgar informações sobre o arroz.

Eduardo Bolsonaro propôs um projeto de lei que defende criminalizar o risoto.


Texto de Renato Terra, na Folha de São Paulo

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