Zelda Fitzgerald busca seu lugar em mundo masculino
MARCELO PEN ESPECIAL PARA A FOLHA
"É engraçado como as associações envolvem a nossa vida", observa Alabama, ao notar que nunca pode ouvir um rouxinol sem pensar no "Decameron", de Boccaccio.
A associação fálico-ornitológica é a resposta ao comentário do marido David, para quem eles estão no paraíso. O casal passa uma temporada na Riviera Francesa, numa época em que os europeus fogem para as praias do norte durante o verão, em busca de um clima mais ameno.
O veraneio na Côte d'Azur não deixa de ser uma invenção dos expatriados americanos nos anos de 1920. E Zelda e F. Scott Fitzgerald contribuíram para isso.
O arrogante David e a voluntariosa Alabama Knight são alter egos do célebre casal da era do jazz. Essa é outra das muitas associações do semiautobiográfico "Esta Valsa É Minha".
A terceira é que a obra seria uma contrapartida do magnífico "Suave É a Noite". Trata-se de uma injustiça.
O livro de Zelda foi publicado anos antes do romance do marido, mais respeitado. Mas a versão do título para o português reforça o nexo, com o verbo de ligação inexistente no original.
"Save me the Waltz" (literalmente "reserve-me a valsa") tem ar bem mais súplice, um tom bem menor de proprietário do que sugere a tradução.
O etos do livro carrega um quê desse pleito (dirigido a Scott? à sociedade que não a levou à sério?) sobre seu direito de exibir no salão (o mercado literário) o seu desempenho dançarino (a sua expressão literária, a sua voz).
A metáfora do título vai além, pois traz algo de antiquado, que o romance conserva nas referências clássicas, na obsessiva descrição da flora, nas imagens especiosas, um tanto "art nouveau" ("o sol de lalique das dez horas"), que se misturam a procedimentos mais modernistas e inovadores: o ritmo decupado, lacunar; a técnica de colagem na elaboração das cenas.
Alabama/Zelda está entre dois mundos e dois homens (a fortaleza de seu pai e armadura do marido, Knight/cavaleiro). Ela precisa configurar seu Estado, como o nome sugere, com o instrumento dos que a subjugam: a arte fálica conduzida por homens.
Sua fragilidade é sua força neste romance que muitas vezes parece implodir, tal o desejo de romper com o molde que a um só tempo lhe garante o rendimento artístico e a despedaça.
A crítica foi injustamente implacável no lançamento. Zelda nunca mais publicou outra ficção. Morreu aos 47 anos, em um incêndio no hospital psiquiátrico onde estava internada. Mas esta valsa, com suas falhas e qualidades, ainda é exclusivamente sua.
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