terça-feira, 18 de março de 2014

Organização israelense contrabandeava órgãos de costarriquenhos por US$ 20 mil


Uma empresa israelense se comprometeu a pagar US$ 20 mil (cerca de R$ 64 mil) a um casal de costarriquenhos para comprar o rim esquerdo da mulher, trasladar a ambos para Israel e realizar o transplante em março de 2013 em um hospital desse país, em uma negociação coordenada durante vários meses por um médico da Costa Rica que foi preso em junho anterior por tráfico de pessoas com fins de extração de órgãos.
A revelação está contida em uma declaração que o casal - morador em um povoado da província de Cartago, a leste de San José, capital da Costa Rica - prestou em 18 de março de 2013 no centro de detenção do aeroporto Ben Gurion em Tel Aviv, diante do Consulado Geral da Costa Rica em Israel.
O caso faz parte de um grande negócio de tráfico de órgãos que, encoberto como turismo de transplantes, foi desenvolvido pelo menos desde 2009 por uma rede transnacional com ligações na Costa Rica, em Israel e em países da Europa oriental que foi desarticulada no ano passado pelas autoridades do país centro-americano. Os primeiros detalhes do escândalo foram revelados em maio do ano anterior pelo jornal mexicano "El Universal".
Entre junho e outubro de 2013, o Ministério Público da Costa Rica deteve quatro médicos - de sobrenomes Mora, Mauro, Fonseca e Monge -, uma policial - de sobrenome Cordero - e um empresário - Katisgiannis - que fariam parte da rede de contrabando de órgãos. A policial e o empresário eram recrutadores de vítimas que, precisando de dinheiro, aceitavam vender algum órgão. Mora foi indicado pela promotoria como o organizador do negócio.
Segundo a promotoria, o grupo fazia parte de uma organização transnacional baseada em Israel que mobilizou grande quantidade de dinheiro e nos últimos anos utilizou a Costa Rica como "país anfitrião" do turismo de transplantes para ocultar o contrabando de órgãos. O caso continua aberto, embora alguns dos envolvidos estejam livres.
"Eles encheram as mãos de sangue e encheram as mãos de dinheiro", relatou o promotor Carlos María Jiménez, um dos responsáveis pelas investigações no Ministério Público.
O fenômeno do contrabando de órgãos chamou a atenção recentemente na Espanha depois da detenção em 12 de março de cinco estrangeiros supostamente envolvidos em uma tentativa de compra e venda de um fígado que seria transplantado em um magnata libanês.
A Organização Mundial da Saúde calcula que 10% dos mais de 100 mil transplantes anuais no mundo são praticados com órgãos procedentes do comércio ilegal.

Em silêncio

A confissão que o casal da Costa Rica prestou em Tel Aviv revelou parte dos meandros da rede transnacional de tráfico de pessoas com fins de extração ilegal de órgãos. De acordo com o testemunho, as negociações se realizaram desde 2012 no hospital Calderón Guardia, nesta cidade, um dos principais centros médicos da Costa Rica.
O médico de sobrenome Mora "nos advertiu que não comentássemos nada sobre o que foi discutido, a extração do rim nem o suposto pagamento que ele faria", relatou o casal em uma declaração que entregaram "de maneira livre e espontânea" e "sob fé de juramento".
Em seu depoimento explicaram que em maio de 2012 conheceram o médico por meio de "referências de terceiros que já tinham vendido órgãos". O médico fez um exame de sangue na mulher e explicou a ambos que oferecia o pagamento de cerca de US$ 20 mil "pela extração do rim esquerdo" em Israel. O pagamento seria feito por "uma suposta empresa israelense".
O texto, em poder de "El País", afirma que a paciente foi submetida a vários exames médicos de compatibilidade, pagos pelo doutor Mora. "Em um dos encontros", prossegue o depoimento, o médico Mora "ofereceu atendimento por toda a vida por qualquer causa não relacionada à operação". "Nenhum documento foi assinado", explicou o casal às autoridades.
"O doutor Mora organizou o pagamento das passagens de ida e volta. No entanto, nos mandou para Israel sem nenhum dinheiro e sem nos dar qualquer contato nesse país, sem termos meios para nos hospedar por nossa conta", explicaram.
A entrada do casal em Israel foi impedida. "Devido às condições em que viemos, as autoridades migratórias suspeitaram que vínhamos para trabalhar ilegalmente, e por isso nos informaram que seríamos deportados para a Costa Rica em 19 de março, disseram.

Mudança legal

Depois da revelação do escândalo, a Assembleia Legislativa da Costa Rica começou a buscar vias para fechar as portas ao tráfico internacional de órgãos e aprovou no início deste mês uma lei que impõe severas sanções penais ao contrabando local ou internacional de partes do corpo humano.
O Ministério Público confirmou que a rede funcionou desde 2009. Há vídeos nos quais um médico promove a Costa Rica como um lugar barato para os transplantes, além das ofertas que aparecem em sites da Internet.
A promotoria disse que foram identificados "pelo menos" 20 vendedores ou "vítimas" que, confrontadas com uma difícil situação econômica, optaram por ceder um órgão. Embora o pagamento individual dos doadores tenha chegado a US$ 20 mil, o custo total de cada transação superou US$ 100 mil, pagos por receptores costarriquenhos e estrangeiros, com altos lucros para a rede, segundo o Ministério Público.
 

Reportagem de José Melendez, para o El País, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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