quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O cérebro do 11/9

O cérebro do 11/9
Folha acompanha em Guantánamo prévia do julgamento de Khalid Sheikh Mohammed, arquiteto dos atentados de 2001 nos EUA
PATRÍCIA CAMPOS MELLOENVIADA ESPECIAL À BASE DE GUANTÁNAMO

Khalid Sheikh Mohammed, o cérebro por trás dos atentados de 11 de setembro de 2001, entra no tribunal militar de Guantánamo, base dos EUA sediada em Cuba, ostentando uma farta barba cor de laranja berrante.
KSM, como é conhecido, chega escoltado por dois guardas para uma audiência preparatória de seu julgamento. Nascido no Kuait, filho de paquistaneses da região do Baluquistão, ele parece um bonequinho de Lego atarracado e sorridente.
Diz a tradição que o profeta Maomé tingia a barba com hena. Mas no Campo Sete, onde KSM e os outros detentos de "alta periculosidade" estão presos, é proibido haver "produtos de beleza". Especula-se que estaria usando suco de romã ou frutas vermelhas para tingir a barba.
Acusado de arquitetar os atentados que levaram à morte de 2.996 pessoas, KSM parece relaxado. Faz rolinhos na barba com os dedos e papeia com seus advogados.
Ele e outros quatro detentos foram oficialmente acusados em maio de 2012. Eles responderão por ajudar no financiamento, no recrutamento e na viagem de alguns dos 19 terroristas que sequestraram aviões. O governo americano pede a pena de morte.
O principal promotor do caso, general Mark Martins, pressiona para que o "julgamento do século" culmine em setembro de 2014. Mas o processo corre lentamente, com advogados contestando vários aspectos.
Folha acompanha as audiências em uma sala atrás do tribunal, de onde se veem os procedimentos através de um vidro grosso, à prova de ruídos. São transmitidos por monitores de vídeo, mas o áudio tem um atraso de 40 segundos.
Caso haja alguma declaração que ameace a segurança nacional, o juiz interrompe a transmissão. "É como um filme mal dublado. Você os vê falando, mas o som não vem", diz uma jornalista.
"O senhor Mohammed não acredita que seja um sistema legítimo --trata-se de um tribunal criado exclusivamente para executá-lo e proteger aqueles que o torturaram", disse à Folha o major Jason Wright, advogado de KSM.
Segundo Wright, KSM fez confissões depois de ter sido torturado. "Esse julgamento é uma palhaçada", conclui.
KSM foi submetido a afogamento simulado 183 vezes, antes de o método ser banido. Enquanto era submetido ao "waterboarding", contava até 40 com os dedos das mãos, para ridicularizar os interrogadores. Ele descobriu que, pelo manual dos interrogadores, o tempo máximo para manter o suspeito "afogado" é de 40 segundos.
Em 2008, em depoimento, KSM se gabou de ter planejado "de A a Z" os ataques --embora Osama bin Laden tenha levado a fama.
Entre outros atentados, disse ter decapitado com sua "abençoada mão direita" o americano Daniel Pearl, jornalista do "Wall Street Journal", no Paquistão, em 2002.
"Eu sou inimigo da América, da presença militar dos EUA na Península Arábica e da ajuda a Israel", disse KSM, segundo a transcrição do Pentágono. "Nós somos combatentes inimigos, é verdade. Mas muitos que estão aqui não são, foram presos injustamente."
"Não estou feliz que 3.000 pessoas foram mortas na América. Como no cristianismo, matar é proibido no islã. Mas há uma exceção à regra quando se trata de matar pessoas no Iraque?." Grande parte das confissões está sendo contestada pelos advogados de defesa.

EXCENTRICIDADES

KSM é famoso por suas excentricidades no tribunal de Guantánamo. Na audiência que a Folha presenciou, era o único detento que usava colete de estampa camuflada.
Teve de obter autorização do juiz para isso. Segundo seus advogados, quer passar a mensagem de que é um combatente de guerra.
Na audiência de anteontem, ele não fez um de seus famosos discursos coléricos. Limitou-se a dizer "na'am" (sim, em árabe), diante das perguntas do juiz.
No ano passado, KSM deixou claro saber que Bin Laden havia sido morto pelo governo americano. "Como o presidente [dos EUA] pode pegar alguém e jogar no mar em nome da segurança nacional?", disse, em referência ao fato de o corpo ter sido atirado no oceano.
Também se queixou de estar dormindo pouco e de que isso lhe causava "flashbacks" sobre a tortura a que foi submetido por agentes da CIA.
O juiz concordou com o pedido de KSM de não ser despertado antes das 6h. Familiares das vítimas ficaram revoltados.
O advogado de defesa diz que KSM é "um homem muito inteligente e religioso". O terrorista formou-se em engenharia mecânica nos EUA, nos anos 1980.
Depois, foi para o Paquistão e para o Afeganistão, onde se juntou a guerrilheiros patrocinados pelos EUA para combater a invasão soviética.
Foi nessa época que ele conheceu Bin Laden.
KSM foi capturado em 2003. De lá, foi transferido para prisões secretas da CIA na Polônia e Romênia. Só em 2006 chegou a Guantánamo.


Reprodução da Folha de São Paulo

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