segunda-feira, 22 de abril de 2013

Com a crise financeira, família grega passa a viver com porções de macarrão


Como diretor de escola primária, Leonidas Nikas está acostumado a ver crianças brincando, rindo e sonhando com o futuro. Mas, recentemente, ele viu algo completamente diferente, algo que ele achava que era impossível na Grécia: crianças revirando o lixo da escola em busca de comida; jovens necessitados pedindo restos dos amigos; e um menino, trata-se de  Pantelis Petrakis, 11, contorcendo-se de fome.
"Ele não tinha comido quase nada em casa", disse Nikas, sentado na apertada sala da diretoria, perto do porto de Piraeus, um subúrbio da classe trabalhadora de Atenas, enquanto o som de uma corda de pular deslizava pelo pátio. Ele conversou com os pais de Pantelis, que estavam envergonhados e constrangidos, mas admitiram que não conseguiam encontrar trabalho há meses. Suas economias haviam acabado e eles estavam vivendo com porções de macarrão e ketchup.
"Nem nos meus pesadelos mais insanos eu imaginaria ver a situação em que estamos hoje", disse Nikas. "Chegamos a um ponto em que as crianças na Grécia estão chegando com fome na escola. Hoje, as famílias têm dificuldades não só para encontrar emprego, mas para sobreviver."
A economia grega está em queda livre, tendo diminuído 20% nos últimos cinco anos. O desemprego está em mais de 27%, o mais alto na Europa,  e 6 em cada 10 candidatos a emprego dizem que não trabalharam há mais de um ano. Essas estatísticas duras estão remodelando as vidas das famílias gregas que têm filhos, que cada vez mais estão chegando na escola com fome ou mal alimentados, até mesmo desnutridos, de acordo com grupos privados e o próprio governo.
No ano passado, cerca de 10% dos alunos gregos do ensino fundamental e médio sofreram com o que os profissionais de saúde pública chamam de "insegurança alimentar", o que significa que eles enfrentaram a fome ou o risco dela, disse Athena Linos, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Atenas, que também chefia um programa de assistência alimentar no Prolepsis, um grupo de saúde pública não governamental que estudou a situação. "No que diz respeito à insegurança alimentar, a Grécia agora caiu para o nível de alguns países africanos", disse ela.
Diferente das escolas norte-americanas, as escolas gregas não oferecem almoços subsidiados no refeitório. Os alunos levam sua própria comida ou compram-na numa cantina. O custo se tornou intransponível para algumas famílias com pouca ou nenhuma renda. Seus problemas aumentaram com as novas medidas de austeridade exigidas pelos credores da Grécia, incluindo impostos mais altos sobre a energia elétrica e cortes nos subsídios para famílias grandes. Como resultado, pais desempregados estão vendo suas economias e benefícios desaparecem rapidamente.
"Por toda minha volta ouço crianças dizendo: "meus pais não têm nenhum dinheiro. E não sei o que vamos fazer'", diz Evangelia Karakaxa, uma adolescente alegre de 15 anos na escola de segundo grau em Acharnes.
Acharnes, uma cidade de classe trabalhadora entre as montanhas de Ática, era bastante movimentada com a atividade de importação até que a crise econômica dizimou milhares de empregos nas fábricas.
"Agora, vários colegas de classe de Evangelia estão frequentemente com fome", diz ela, e um menino recentemente desmaiou. "Algumas crianças estavam começando a roubar comida. Aqueles que estão bem alimentados nunca vão entender aqueles que não estão", declarou.
"Nossos sonhos foram esmagados", acrescentou Evangelia, cujos pais estão desempregados, mas não estão na mesma situação calamitosa de seus colegas. Ela fez uma pausa, depois continuou em voz baixa. "Dizem que quando você se afoga, sua vida passa diante de seus olhos. Minha sensação é essa na Grécia, estamos nos afogando em terra firme."
Alexandra Perri, que trabalha na escola, afirmou que pelo menos 60 dos 280 alunos sofrem de desnutrição. Crianças que antes tinham doces e carne agora falam em comer macarrão, lentinhas, arroz ou batatas. "O que há de mais barato", disse Perri.
Este ano o número de casos de desnutrição deu um salto. "Há um ano, não era assim", disse Perri, lutando para conter as lágrimas. "O que é assustador é a velocidade com que isso está acontecendo."
O governo, que inicialmente rejeitou os relatórios, considerando-os exagerados, reconheceu recentemente que precisava "resolver o problema da desnutrição nas escolas". Mas com as prioridades voltadas a reembolsar fundos de resgate, há pouco dinheiro nos cofres para lidar com a situação.
Nikas, o diretor, disse que sabia que o governo  estava trabalhando para consertar a economia. Agora que a ideia de a Grécia sair da zona euro desapareceu, as coisas parecem melhores para quem vê de fora. "Mas diga isso para a família de Pantelis", disse ele. "Eles não sentem essa melhora em suas vidas."
No apartamento escuro da família perto da escola, Themelina Petrakis, mãe de Pantelis, abriu a geladeira e armários num fim de semana recente. Dentro, havia pouco mais do que algumas bisnagas de ketchup e outros condimentos, alguns pacotes de macarrão e sobras de uma refeição que ela recebeu da prefeitura.
A família estava indo bem e até ajudando outras pessoas necessitadas até o ano passado. Ela conseguia pagar um apartamento espaçoso com uma televisão de tela plana.
Em seguida, seu marido, Michalis, 41, foi demitido do emprego no setor de transporte de mercadorias em dezembro. Ele disse que a empresa já não pagava seu salário cinco meses antes disso. O casal não podia mais pagar aluguel, e em fevereiro ficou sem dinheiro.
"Quando o diretor telefonou, eu tive que dizer a ele, 'não temos comida'", disse Petrakis, 36, acariciando a cabeça de Pantelis enquanto olhava para o chão.
Petrakis disse que se sentia impotente depois de ter fracassado em encontrar emprego repetidas vezes. Quando a família começou a ficar sem comida, ele parou de comer totalmente, e perdeu peso rápido.
"Quando eu estava trabalhando no verão passado, eu jogava fora o pão que sobrava", disse ele, com lágrimas correndo pelo rosto. "Agora, sento-me aqui com um conflito interno, tentando descobrir como vamos viver."
Quando a fome chega, Themelina Petrakis tem uma solução. "É simples", disse ela. "Você tem fome, fica com tontura, e dorme até passar."
Um relatório de 2012 da Unicef mostrou que entre os lares mais pobres com filhos da Grécia, mais de 26% tinha uma "dieta economicamente fraca". O fenômeno atingiu mais duramente os imigrantes, mas está se espalhando rapidamente entre os gregos das áreas urbanas, onde um ou ambos os pais estão permanentemente desempregados.
Nas áreas rurais, as pessoas podem pelo menos cultivar alimentos. Mas isso não é suficiente para erradicar o problema. A uma hora de carro a noroeste de Atenas, na cidade industrial de Asproprigos, Nicos Tsoufar, 42, olhava distraidamente para frente ao se sentar na escola média que seus três filhos frequentam. A escola recebe merenda de um programa do grupo de saúde pública Prolepsis. Tsoufar disse que seus filhos precisam desesperadamente da merenda.
Ele não encontra trabalho há três anos. Agora,  sua família está vivendo no que ele chama de "uma dieta à base de repolho", que ele complementa com caracóis encontrados nos campos próximos. "Eu sei que não dá para suprir as necessidades nutricionais com repolho", disse ele amargamente. "Mas não há alternativa."
O governo e grupos como Prolepsis estão fazendo o que podem. No ano passado, o Prolepsis iniciou um programa piloto que fornecia sanduíches, frutas e leite em 34 escolas públicas, onde mais da metade das 6.400 famílias participantes disseram que estavam vivenciando "fome média ou grave".
Depois do programa, essa porcentagem caiu para 41%. Financiado por uma doação de US$ 8 milhões da Fundação Stavros Niarchos, uma organização filantrópica internacional, o programa foi ampliado este ano para cobrir 20 mil crianças em 120 escolas.
Konstantinos Arvanitopoulos, ministro da Educação da Grécia, disse que o governo havia garantido financiamento da União Europeia para providenciar frutas e leite nas escolas, e vales alimentação para pão e queijo. Ele também está trabalhando com a Igreja Grega Ortodoxa para fornecer milhares de cestas básicas. "É o mínimo que podemos fazer nesta difícil situação financeira", disse ele.
Nikas, diretor da escola de Pantelis, tomou a questão em suas próprias mãos e está organizando esforços para angariar fundos para a alimentação na escola. Ele está irritado com o que vê como uma ampla negligência da Europa para com os problemas da Grécia.
"Não estou dizendo que devemos apenas esperar que os outros nos ajudem", disse ele. "Mas ao menos que a União Europeia aja como esta escola, onde as famílias ajudam umas às outras porque somos todos uma grande família, estamos perdidos". 

Reportagem de Liz Aldemann, com colaboração de Dimitris Bounias, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradução de Eloise de Vylder.

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