segunda-feira, 29 de abril de 2013

Capital afegã da prostituição traz à tona contradições sociais


A cidade verdejante de Mazar-i-Sharif abriga alguns dos maiores tesouros do Afeganistão. Ela é a cidade natal do renomado poeta Rumi, possui uma das mesquitas mais famosas do país e foi a primeira cidade afegã a ter ligação ferroviária com outro país. No entanto, também é a capital extraoficial da prostituição no Afeganistão.
O fenômeno deve-se em parte à cultura da cidade, muito mais tolerante com vícios que o resto do país. Apesar de ser ilegal, o álcool pode ser encontrado sem muita dificuldade. Mulheres, normalmente confinadas em casa, podem ser vistas na companhia de homens nos parques de Mazar, algo que mesmo em Cabul é uma raridade.
Mas, segundo as autoridades, o boom dos negócios também alimenta a prostituição em Mazar.
A economia da cidade vem crescendo nos últimos anos. A proximidade com a Ásia Central e sua relativa paz e estabilidade a converteram num núcleo comercial.
"Mazar é uma cidade grande. Em comparação com as outras províncias, muitas prostitutas trabalham aqui", comentou Nilofar Sayar, diretora de um grupo de direitos das mulheres que oferece treinamento profissional a operárias do sexo.
O aumento da prostituição na cidade traz à tona as contradições da sociedade patriarcal afegã, onde a simples insinuação de imoralidade pode significar a morte para as mulheres. A prostituição existe, sob uma forma ou outra, há décadas, mesmo sob o Taleban. Mas as autoridades de Mazar dizem que a expansão acelerada da tecnologia celular tornou a atividade mais fácil de administrar e mais difícil de detectar.
Outro fator que propicia esse crescimento é a corrupção. Uma das entrevistas feitas com uma prostituta para esta reportagem foi organizada por um policial que é cliente da mulher em questão.
Anos atrás, os bordéis operavam abertamente na cidade. Mas, há alguns anos, Atta Mohammed Noor, governador da Província de Balkh, ordenou a repressão da atividade.
O ponto de contato da prostituta geralmente é um homem que organiza os programas com a ajuda do celular.
Mulheres que atuam na prostituição, sem saber como deixar a atividade, geralmente são pobres, divorciadas ou viúvas e passam por dificuldades. Às vezes, as próprias famílias as obrigam a se prostituir para ajudar a pagar as contas ou a financiar o vício em drogas do marido. A maioria sabe que, ao vender seu corpo, corre o risco de morrer se for descoberta.
Aziza Jan se casou aos 13 anos e recorreu à prostituição depois de seu marido pedir o divórcio, alguns anos atrás, deixando-a com seis filhos. Ela tem 35 anos e vive numa rua tranquila. Recebe seus clientes na sala de sua casa, forrada de tapetes e almofadas.
Com vergonha de falar sobre o que faz, ela insistiu que ganha a maior parte de seu dinheiro como costureira. Seu filho mais velho está chegando à maioridade, e Aziza espera que, quando terminar os estudos, ele ajude a aliviar as dificuldades da família.
"Passando por cima de todo o sofrimento e a dor, me esforço para ficar feliz", comentou, com uma risadinha. "Olho para meus filhos. Eles são minha alegria."
Algumas poucas continuam casadas, mas trabalham sem o conhecimento de seus maridos.
Fereshta tem 25 anos e três filhos. Contou que sua vida começou a desabar quando seu marido perdeu o emprego na construção civil, mais de cinco anos atrás.
Eles foram despejados da casa onde moravam. Hoje, vivem numa construção abandonada, sem janelas ou portas, e têm dificuldade em se alimentar. Como raramente é permitido que mulheres trabalhem, Fereshta decidiu que prostituir-se seria a melhor maneira de sobreviver.
Ela soube da atividade por amigas que cobram entre US$ 30 e US$ 60 por seus serviços. "Sou forçada a fazer isso", contou. "Se meu marido descobrir, ele me mata. Mas que escolha tenho?"


Reportagem de Azam Ahmed, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.

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