terça-feira, 19 de julho de 2011

"Nueva vida"?


Nueva vida social clube
Um ano depois de acordo entre governos cubano e espanhol, dissidentes se queixam de vida humilhante no país europeu

LUISA BELCHIOR
EM MADRI 

O cubano Victor Arroyo, 60, retira os poucos móveis do apartamento em que vive em Móstoles, em Madri. Sem emprego nem educação para os filhos, o jornalista e geógrafo doou tudo para conterrâneos e vai deixar a Espanha rumo aos EUA quase como chegou, há um ano: com um punhado de roupas.
No lugar da esperança de deixar quase oito anos de prisão para uma vida na Europa, desta vez leva a sensação de "desilusão, engano". Quando chegamos foi uma festa, mas depois nos jogaram em qualquer lugar e nos deram as costas. Ninguém tem trabalho e vivemos uma vida medíocre", diz à Folha.
Arroyo é um dos 75 dissidentes políticos presos em 2003 pelo regime de Raúl Castro e enviados à Espanha há um ano em um acordo político entre os governos cubano e espanhol, com intermediação da igreja católica. Na época, a Espanha, encarregada de conseguir casa, trabalho e educação para os cubanos, visava retomar o protagonismo na relação entre Europa e América Latina.
Cuba, por sua vez, buscava derrubar a Posição Comum, acordo europeu que condiciona a relação comercial com a ilha ao cumprimento dos direitos humanos.
Um ano depois, a Posição Comum -ou seja, o bloqueio econômico- continua de pé, assim como a crise econômica de Cuba. Ao contrário do projeto de inserir os dissidentes na vida europeia. Cerca de 70% deles não conseguiram trabalho, segundo levantamento feito pelo grupo.
"Nos inscrevemos na fila de emprego para qualquer trabalho. Nunca fomos chamados", conta Arroyo.
Como seus conterrâneos, o jornalista e a família vivem até hoje de uma ajuda de menos de 579 euros (cerca de R$ 1.300) mensais e do aluguel do apartamento, que sai de fundos europeus e, pelo acordo, expira até o fim do ano.
"Para mim, está claro que logo teremos companheiros no meio da rua como indigentes", diz Próspero Gainza, 54, que também vai se mudar para os Estados Unidos. "Lá, dizem que há trabalho. Aqui vivemos uma situação humilhante. Temos que declarar todos os nossos gastos." Além de Gainza e Arroyo, outros oito dissidentes já se mudaram para os EUA com as famílias. Um foi ao Chile.

DESINTERESSE 
"Para o governo, já não interessa a presença desses cubanos aqui. Principalmente porque vivem criticando Cuba, o contrário do que a Espanha buscava", diz o cientista político Hector García.
Os que ficaram na Espanha estão espalhados pelo país, enviados pela Cruz Vermelha, a quem o governo delegou a inserção dos cubanos na sociedade espanhola. A maior concentração, de dez famílias, está em Móstoles.
Os que conseguiram alguma estabilidade financeira rodam a Europa para divulgar manifesto contra a derrubada da Posição Comum, respaldados por um dossiê no qual relatam casos de suposto desrespeito aos direitos humanos vividos por eles próprios nas prisões cubanas.
"Viemos aqui por uma causa e temos que continuar lutando por ela", diz o médico Jose Luis Paneque -que, em menos de um ano, já esteve em Parlamentos e gabinetes de representantes de governo na Áustria, Eslováquia, Alemanha e Bruxelas. Em paralelo, Paneque trabalha no Observatório de Liberdades Ibero-Americanas na Universidade de Valência, onde registra casos de descumprimento de direitos humanos em Cuba.
Consultado pela Folha, o Ministério de Assuntos Exteriores da Espanha negou ter abandonado os ex-presos cubanos. Afirmou, no entanto, que a duração limitada dos subsídios constava do acordo com Cuba. A Cruz Vermelha diz que continua assessorando os cubanos e oferece apoio jurídico e psicológico sempre que necessário.



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