sábado, 16 de julho de 2011

Condenação da Holanda é primeira justiça para Srebrenica, na Bósnia

Condenação da Holanda é primeira justiça para Srebrenica, na Bósnia

Laia Forès

Dezesseis anos depois, o fantasma da chacina de Srebrenica voltou a abalar a consciência dos holandeses. Em uma sentença que foi conhecida ontem, um tribunal dos Países Baixos considerou o Estado holandês responsável pela morte de três muçulmanos bósnios nas mãos do exército sérvio-bósnio comandado por Ratko Mladic em Srebrenica (leste da Bósnia) em julho de 1995. Os três homens eram um eletricista que trabalhava para os capacetes azuis da ONU e o pai e o irmão de um intérprete que também ajudava os soldados.

A sentença do tribunal de apelações holandês, com sede em Haia, estima que os soldados holandeses "não deveriam ter entregado esses homens aos sérvios". Durante a guerra da Bósnia (1992-1995), os capacetes azuis holandeses estavam encarregados da proteção da população civil refugiada em Srebrenica, a primeira zona de segurança criada pela ONU. No entanto, não foram capazes - fosse por covardia ou por falta de meios - de proteger os refugiados. O chamado Dutchbat (batalhão holandês) fracassou ao não evitar a execução de mais de 8 mil homens e meninos, um genocídio que ainda hoje pesa na consciência de muitos holandeses. Os parentes do eletricista Rizo Mustafic e o intérprete que perdeu seu pai e irmão, Hassan Nuhanovic, denunciaram o Estado holandês por não ter protegido as três vítimas.

Em primeira instância, em 2008, a justiça deu razão ao Estado, mas os denunciantes recorreram e o tribunal de apelações lhes deu razão. A sentença, entretanto, não é firme. O governo pode recorrer ao Tribunal Superior de Justiça, embora fontes do Executivo tenham afirmado ontem que a decisão não foi tomada. O ministro da Defesa indicou que a decisão causou "surpresa" ao governo.

Na sentença, o tribunal considera que a responsabilidade é do Estado holandês porque, apesar de o Dutchbat ter atuado sob o comando da ONU, depois da queda de Srebrenica "ocorreu uma situação extraordinária na qual o governo holandês esteve mais ativamente envolvido nas ações do Dutchbat e na evacuação de refugiados". Caso seja confirmada a sentença, ou se o governo não recorrer, o Estado deverá indenizar os parentes das três vítimas com uma quantia ainda não determinada.

O veredicto da justiça holandesa abre a porta para que parentes das milhares de vítimas de Srebrenica possam pedir indenizações, apesar de o texto da decisão deixar claro que esta só se aplica ao caso específico dos três homens.

De fato, as Mães de Srebrenica esperam que a sentença sirva de precedente para a denúncia - pendente de resolução - contra o Estado holandês interposta há quatro anos em nome de 7.600 parentes de vítimas. A chacina de Srebrenica, a maior limpeza étnica na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, representou na época - e ainda hoje - um trauma nacional para a Holanda. Em 2002, um relatório elaborado por uma comissão do Parlamento determinou que o governo holandês era o responsável político pelo massacre de Srebrenica: o documento acusava o governo de ter enviado os soldados para uma "missão impossível", sem meios suficientes para enfrentar o exército de Mladic.

O relatório provocou tal comoção política que terminou com a demissão em bloco do Executivo liderado por Wim Kok, devido a sua "corresponsabilidade" na chacina. Além da esfera política, as consequências pessoais para os soldados que faziam parte do batalhão que foi incapaz de proteger os muçulmanos da Bósnia foram muito duras. Mais da metade deles abandonou o exército e muitos precisaram de tratamento psicológico para superar o trauma. Foram acusados de permitir o massacre, sobretudo depois que foi divulgada a polêmica foto do coronel holandês Karreman brindando ao lado de um sorridente Mladic, o general das tropas sérvio-bósnias, poucos dias depois da matança.

O sentimento de culpa da Holanda parece ter-se traduzido em uma dureza incomum em relação à Sérvia, país que pretende ingressar no clube europeu. Os Países Baixos foram o sócio comunitário que sempre colocou mais empecilhos para indicar o país balcânico como candidato oficial. Talvez menos desde a detenção e entrega do ex-general Mladic por parte das autoridades sérvias ao Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia. De fato, a sentença chega justamente no início do julgamento de Mladic, acusado de 11 crimes de guerra e de lesa-humanidade, entre eles o de genocídio pela chacina de Srebrenica. Casualidade ou não, o presidente do tribunal que o julga é um holandês, Alphons Orie.

Na próxima segunda-feira completam-se 16 anos das atrocidades cometidas em Srebrenica, enclave que faz parte de um dos capítulos mais tristes da história da Europa. Damir Mustafic, filho do eletricista bósnio assassinado pelo exército de Mladic, lembrou ontem exatamente que a sentença foi divulgada poucos dias antes da efeméride. Na segunda-feira está previsto que 600 corpos que foram exumados há um ano para identificação sejam enterrados em Srebrenica, em um ato para recordar todas as vítimas. "Estou muito contente. O processo foi longo e conhecer agora as sentenças é muito bom porque no dia 11 tenho de enterrar meu pai", declarou ontem Mustafic.

Nem proteção nem apoio legal

16 de abril de 2002. O governo do primeiro-ministro Wim Kok se demite depois que um relatório do Instituto para a Documentação de Guerra indicou que o batalhão holandês foi enviado em condições demasiado precárias para defender Srebrenica.

4 de junho de 2007. As famílias de 7.600 vítimas - as Mães de Srebrenica - processam em Haia a Holanda e a ONU por sua responsabilidade na matança.

26 de fevereiro de 2007. O Tribunal Internacional de Justiça rejeita uma ação da Bósnia contra a Sérvia e diz que o Estado sérvio não organizou um genocídio, embora este tenha sido cometido, por forças sérvio-bósnias no caso de Srebrenica.

10 de setembro de 2008. Um tribunal do distrito de Haia exime o Estado holandês da chacina de Srebrenica.

Janeiro de 2010. As Mães de Srebrenica apresentam uma apelação após a decisão de 2008.

11 a 18 de julho de 1995. Oito mil homens e meninos, prisioneiros de guerra e civis, são assassinados diante da passividade de 400 capacetes azuis holandeses que protegiam Srebrenica, declarada zona de segurança pela ONU.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves



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