terça-feira, 12 de julho de 2011

Fé nuclear no Japão


Fé nuclear com base em fantasia

O líder global em robôs não tinha nenhum no acidente

Por NORIMITSU ONISHI

SHIKA, Japão - Perto de uma usina nuclear de frente para o mar do Japão, uma série de exposições enaltece as virtudes dessa fonte de energia com uma certa ajuda de "Alice no País das Maravilhas".
"É terrível, simplesmente terrível", diz o Coelho Branco na primeira exposição. "Estamos ficando sem energia, Alice." A figura de um robô-pássaro Dodo declara que há uma forma de energia "incrível" chamada nuclear. Ela é limpa, segura e renovável se você reprocessar urânio e plutônio, diz o Dodo.
"Puxa, você pode até fazer isso!", diz Alice sobre a energia nuclear. "Poderíamos dizer que é ótima para o Japão, pobre em recursos!" Por décadas, o setor nuclear do Japão dedicou verbas enormes para convencer o público sobre a segurança e a necessidade da energia nuclear.
O resultado foi a adoção generalizada da crença de que as usinas nucleares japonesas eram absolutamente seguras. O Japão perseguiu a energia nuclear sem hesitação, mesmo enquanto os países ocidentais se afastavam dela.
Essa crença ajuda a explicar por que, no único país que foi atacado com bombas atômicas, a aceitação da energia nuclear era tão forte que os acidentes em Three Mile Island e Tchernobil quase não tiveram registro. Mesmo com a crise na usina nuclear de Fukushima Daiichi, a reação contra essa energia foi muito mais forte na Europa e nos EUA do que no Japão.
Alguns japoneses estão escavando o fundo da psique nacional e examinando a propensão nacional a adotar uma crença hoje amplamente considerada irracional. Por causa dessa crença generalizada na absoluta segurança das usinas japonesas, as operadoras e os reguladores nucleares deixaram de adotar medidas de segurança adequadas e avanços tecnológicos.
"No Japão, temos uma coisa chamada 'mito da segurança'", disse, em 20 de junho, Banri Kaieda, o ministro da Economia, do Comércio e da Indústria, que supervisiona a indústria nuclear. "Existe um excesso de confiança irracional na tecnologia de geração de energia nuclear no Japão."
Em consequência, ele disse, "o pensamento sobre a segurança da indústria nuclear era frágil".
Enquanto a crença cuidadosamente cultivada na segurança nuclear se dissipa depois do desastre de 11 de março, os japoneses culpam cada vez mais o setor nuclear por Fukushima. Em um país politicamente apático, dezenas de milhares de pessoas realizaram protestos contra a energia nuclear. Jovens japoneses usaram mídias sociais para organizar e divulgar manifestações.
Nos dias seguintes ao tsunami que desligou o sistema de resfriamento de Fukushima Daiichi, o gabinete do premiê e a Companhia de Energia Elétrica de Tóquio (Tepco), a operadora da usina, debateram se deveriam injetar água do mar para resfriar os prédios do reator, para evitar fusões catastróficas, e depois como fazer isso.
Com os níveis de radiação altos demais para que os trabalhadores se aproximassem dos reatores, as autoridades japonesas vacilaram.
Enviaram caminhões de polícia armados de canhões de água para borrifar água nos prédios dos reatores. Helicópteros militares despejaram água que se espalhou com os ventos fortes em um "espetáculo, uma espécie de circo" destinada a tranquilizar a população cada vez mais alarmada e o governo americano, segundo Kenichi Matsumoto, assessor do primeiro-ministro Naoto Kan.
O que ficou claro foi que o Japão não tinha alguns equipamentos básicos para reagir a uma crise nuclear. O ponto baixo ocorreu em 31 de março, quando teve de usar uma bomba de água enviada da China para injetar 91 toneladas métricas de água doce no prédio do reator número 1. Mas a ausência de uma tecnologia em particular foi profundamente perturbadora: robôs de emergência. Afinal, o Japão é o líder mundial em robótica.
"Os operadores disseram que os robôs, que atuariam em caso de acidente, não eram necessários", disse Hiroyuki Yoshikawa, 77, engenheiro e ex-presidente da Universidade de Tóquio, a instituição acadêmica mais influente do Japão. "Em vez disso, adotá-los causaria medo, eles disseram."
Depois de Fukushima, o Japão foi obrigado a contar com uma remessa de emergência da iRobot, empresa situada em Bedford, Massachusetts, mais conhecida por fabricar o aspirador de pó Roomba. Em 24 de junho, a Tepco utilizou o primeiro robô feito no Japão, que foi adaptado para lidar com acidentes nucleares, mas ele apresentou defeito.
A rejeição aos robôs, disse Yoshikawa, fazia parte da relutância geral da indústria a aperfeiçoar a manutenção e investir em novas tecnologias.
"É por isso que o mito da segurança não era apenas um clichê vazio", disse Yoshikawa, hoje diretor do Centro para Pesquisa e Desenvolvimento Estratégicos da Agência de Ciência e Tecnologia do Japão. "Era uma espécie de mentalidade que rejeitava o progresso através da adoção de novas tecnologias."
No início da era atômica, a energia nuclear tornou-se a solução para os japoneses -uma maneira de o Japão, cuja falta de recursos naturais havia levado à Segunda Guerra e à derrota, se tornar mais independente no plano energético. O domínio nuclear também abriria a possibilidade de desenvolver armas nucleares.
O responsável pela divisão de energia nuclear do ministério orçou em US$ 12 milhões sua publicidade e os programas educacionais para este ano. Mitsuhiro Yokote, 67, diretor-gerente executivo da Organização de Relações de Energia Atômica do Japão, um dos grupos criados para promover o programa nuclear japonês, admitiu que os especialistas transmitiram a mensagem de que as usinas nucleares eram seguras. Yokote disse que "lamentava" que sua organização tivesse contribuído para esse mito.
No Japão, as pessoas tendem a confiar reflexivamente no governo. "O que poderíamos fazer senão acreditar no que o governo nos dizia?", disse Masaru Takahashi, 67, membro do sindicato de pescadores em Oma, uma cidade pesqueira no norte do Japão onde está sendo construída uma usina. "Disseram-nos que elas eram absolutamente seguras."
Depois de Tchernobil, as instalações de relações-públicas das usinas nucleares foram transformadas em parques temáticos voltados para jovens mães, o grupo que, segundo a pesquisa, mais se preocupa com usinas nucleares e radiação, segundo Noriya Sumihara, antropólogo da Universidade Tenri. Mulheres em idade de ter filhos foram contratadas como guias tranquilizadoras.
Em Higashidori, norte do Japão, um dos mais novos edifícios de relações-públicas do país foi construído com base no tema de Tonttu, uma floresta com moradores anões. O edifício também apresenta eventos com personagens de quadrinhos para atrair crianças e jovens pais, disse Yoshiki Oikawa, porta-voz da Companhia de Energia Elétrica Tohoku, que administra o local com a Tepco.
Aqui no prédio de relações-públicas Shika, que teve 100 mil visitantes no ano passado, as pessoas começam a questionar a segurança da energia nuclear depois do desastre de Fukushima, disse Asuka Honda, 27, um guia local. Muitas eram mulheres grávidas.
O establishment nuclear também garantiu que os manuais escolares produzidos pelo governo não enfatizem informações que possam projetar dúvidas sobre a segurança da energia nuclear. No Parlamento, a campanha foi liderada por Tokio Kano, um vice-presidente da Tepco que se tornou deputado em 1998. Kano voltou à Tepco como assessor depois de deixar o Parlamento.
Resultados de pesquisas indicaram que os jovens japoneses são os mais fortes defensores da energia nuclear.
O Japão passou a acreditar em seu próprio mito da segurança, disse Hitoshi Yoshioka, autor de um livro sobre a história da energia nuclear no Japão e membro de um painel criado pelo primeiro-ministro para investigar as causas do desastre de Fukushima. O establishment nuclear, ele disse, "ficou preso em sua própria teia".
Colaborou Kantaro Suzuki


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