sábado, 16 de julho de 2011

Na Venezuela, a revolução bolivariana enfrenta o projeto da moradia social e o desperdício

Na Venezuela, a revolução bolivariana enfrenta o projeto da moradia social e o desperdício

Marie Delcas
Enviada especial a Caracas

A oposição denuncia a improvisação do governo

O governo venezuelano, em nome da revolução bolivariana, tem grandes ambições. A mais recente das políticas sociais, a Grande Missão “Vivienda” (moradia) planeja construir 2 milhões de moradias populares no país até 2017. A oposição vê ali somente uma promessa eleitoreira. No fim de 2012, Hugo Chávez disputará um quarto mandato presidencial, se sua saúde lhe permitir. O objetivo de sua missão foi estabelecido em 153 mil moradias para 2011 e 200 mil para 2012. No início de julho, o ministro da Energia e do Petróleo, Rafael Ramirez, afirmava que 16.964 unidades haviam sido entregues durante o primeiro semestre do ano.

Em Caracas, crianças jogam futebol no subsolo de um bloco de tijolos e concreto. Era para o Sambil Candelaria se tornar um desses gigantescos shopping centers que enlouquecem os venezuelanos. Mas, no final de 2008, o presidente Chávez desapropriou o dono do imóvel, que estava prestes a ser inaugurado. Desde dezembro passado, cerca de 2.300 pessoas afetadas pelas chuvas moram ali. “Vamos sair em breve”, afirma Isaura Sanchez, mãe de quatro filhos pequenos. “’Meu comandante’ dará casas para todo mundo. Vimos na televisão. Elas estão quase prontas”. Assim como Isaura, 100 mil famílias de vítimas esperam para ser realojadas “com prioridade”. Isso mostra como a Missão Vivienda cria esperanças.

Os barrios, confusão de blocos de cimento, chapas, ruelas estreitas e escadas íngremes, cercam Caracas. Os venezuelanos carentes não moram melhor do que seus vizinhos latino-americanos. Sob pressão do crescimento demográfico e da incúria de sucessivos governos, o déficit de moradia foi se aprofundando cada vez mais. “Estima-se hoje que a demanda seja de três milhões de unidades. Seria preciso construir 300 mil moradias ao ano. Mas desde que Hugo Chávez chegou ao poder, a média anual tem sido de 30 mil unidades,” explica Rafael Uzcategui, da organização de direitos humanos Provea. “Somente o presidente Romulo Betancourt fez pior, no início dos anos 1960.” Na época havia 7 milhões de venezuelanos, e esse número quadruplicou desde então.

O atual governo bem que tentou enfrentar o problema da moradia. Mas a improvisação em matéria de políticas públicas limitou as realizações. Desde 2005, onze ministros passaram pelo novo ministério da Moradia e da Habitação.

Os urbanistas acreditam que mais de 40% do tecido urbano de Caracas cresceu sem planejamento ou regulação: a “autoconstrução” é a norma nos barrios. “O governo de Hugo Chávez quis dinamizar as iniciativas populares. Foi dada uma grande verba aos conselhos comunitários, às associações de bairro e outras instâncias participativas. Mas por falta de conhecimento e de assessoria técnica, a verba foi desperdiçada”, aponta Uzcategui.

Na avenida Las Acacias, entre um prédio residencial e uma torre de 25 andares, um gigantesco cartaz anuncia a construção de 146 moradias populares. Os buldôzeres trabalham. A três ruas de lá, o mesmo cartaz anuncia a construção de 140 casas. Mas lá, está tudo parado. “Podemos colocar outra Caracas dentro de Caracas”, afirmava Chávez diante das câmeras, para justificar sua política urbana. Mas será que os serviços públicos da capital conseguirão acompanhar? Os engarrafamentos ali são intermináveis, o transporte público está sobrecarregado e os cortes de energia – aos quais o resto do país está sujeito – são preocupantes.

“Só podemos aplaudir a prioridade dada hoje à moradia”, segundo Uzcategui. “Mas o voluntarismo não basta. Anunciar a construção de 2 milhões de moradias sem falar em estrutura coletiva, esgoto, transporte, escolas, campos de futebol, rede elétrica, não tem sentido”. Um militante do Partido Socialista ironiza: “A esquerda por muito tempo criticou os tecnocratas. Gostaríamos de ter alguns deles hoje. Ideologia não faz nascer tijolos.”

“Dois milhões de moradias para famílias de três ou quatro pessoas, isso quer dizer que o governo promete realojar, até 2017, de 6 a 8 milhões de pessoas. Não é realista”, acredita José Carquez, gerente de uma loja de materiais de construção. Um dos problemas, e não é dos menores, é que esses materiais de construção muitas vezes estão em falta. “O cimento chega de maneira muito irregular, e há quatro meses não vemos barras de ferro. Só as encontramos no mercado negro, pagando duas vezes mais”, afirma Carquez. A nacionalização das empresas metalúrgicas de Guayana e a das empresas de cimento – entre elas a francesa Lafarge – agravaram o antigo problema do abastecimento.

“O Estado não pode resolver sozinho a crise da moradia”, acredita o presidente da Câmara Venezuelana da Construção, Juan Francisco Jiménez, que deseja uma grande aliança público-privada. “Paradoxalmente, Hugo Chávez, que expõe ao desprezo público os empresários venezuelanos, não hesita em fazer negócios com o hipercapitalismo russo ou chinês”, observa Uzcategui. Dezenas de acordos foram assinados com a Rússia, a China, Cuba, o Uruguai e o Irã para a construção de moradias. Mas, também nesse caso, os resultados tardam a chegar.

Para Teodoro Petkoff, diretor do jornal de oposição “Tal Cual”, “as pessoas vão se conscientizar da ineficácia absoluta desse governo. A Missão Vivienda pode muito bem virar uma faca de dois gumes”. Um diplomata latino-americano analisa: “Às pessoas que hoje se inscrevem na lista dos solicitantes de moradia, o governo dá um certificado... e a esperança de ver algum dia uma casa só deles. No final de 2012, Hugo Chávez dirá: se a oposição vencer, seus certificados não valerão mais nada. E as pessoas votarão em Chávez.” Isaura é prova disso.


Tradutor(a) não divulgado.



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