segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Mandar bem no subjuntivo da conversa pós-match configura até preliminar


Era um grupo de WhatsApp para falar baixaria, como outros, mas voltado a fetiches linguísticos. O nome já tinha mudado várias vezes —"Pleonasmos Múltiplos", "Classudas Gramaticais", "Tchutchucas do Caso Reto", "Leléxicas"—, mas o avatar continuava sendo uma foto do Cauã Reymond sem camisa.

De todas, Marcinha era quem mais compartilhava prints do Tinder, objetificando diretamente a machaiada.

"Ó que delícia, esse aqui. Acentua o verbo ter na terceira pessoa do plural." Se o cara desse match mandando bem no subjuntivo, ela sentia um calor. "Que eu saiba, configura até preliminar."

Renata não pensava tanto em peguetes. Engajada e idealista, frequentava passeatas não só na esperança de um impeachment, mas de encontrar mais gente que concordasse que está sempre faltando uma vírgula no "fora, Bolsonaro" nosso de cada dia. Agora, se do uso correto do vocativo também surgisse o amor, ótimo. Seria o alinhamento romântico-sintático-ideológico perfeito.

Ju havia passado dessa etapa, pois estava namorando um professor de cursinho. Álgebra, infelizmente, pois não se pode ter tudo na vida. No entanto, que compatibilidade. No dia seguinte à primeira ida ao motel, a pergunta logo piscou no grupo.

"E aí???" Sucesso total: luz baixa, música envolvente, champanhe gelado e páginas da gramática do Evanildo Bechara espalhadas pelo lençol de cetim.

"Se ainda fosse a do Napoleão Mendes de Almeida..." Norma, carinhosa e trocadilhescamente chamada de "Norma Culta", era dessas. A mais purista e mal-humorada das amigas. "Só não me deixo levar pelo uso que qualquer marmanjo faz da língua, isso sim."

Amante dos radicais gregos e latinos, odiava anglicismos. Mas tinha tesão pelo professor Pasquale Cipro Neto desde que ele ensinou o plural de hambúrgueres num comercial do McDonald’s. Uma vez por semana, pelo menos, comia um double cheeseburger pensando no crush.

Papo ia, papo vinha —e Luciana calada. Até o dia em que, pá! Fez uma onomatopaica e sinestésica revelação quentíssima. "Um ‘pobrema’ salvou meu casamento..." Há 20 anos com um doutor em letras pela Sorbonne, descobriu que falar sobre "percas" e "resistros" apimentava a relação entre quatro paredes. "Ele dizendo ‘iorgute’ é tão lindo."

Marcinha, Ju e Renata foram logo compreensivas. Norma tardou, até digitar a mensagem definitiva. "Na vida, ser feliz deveria ser obrigatório. E estar certa, facultativo —que nem certas crases." Enviando, na sequência, o motivo da demora: havia feito uma figurinha do Professor Pasquale com um X-tudo, dentro de um coração.


Texto de Bia Braune, na Folha de São Paulo

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