terça-feira, 3 de agosto de 2021

Todo feminejo tem boas doses de chifre, bebedeira e rivalidade feminina


Na imponente varanda de sua fazenda nos rincões de Goiás, uma dupla de feminejo trabalha em seu próximo álbum.

“Essa eu escrevi ontem, no meio de uma insônia daquelas. Prometi que não ia compor mais nada pra aquele embuste, mas não me aguentei. Lá menor, por favor.”

Ela canta, emocionada: “Eu abri o WhatsApp dele e vi o que eu não devia/ Me deparei com um nome que eu não conhecia/ Se ela acha que eu sou trouxa, está muito enganada/ Eu vou arrancar os
olhos daquela desgraçada...”

“Irmã. Sem condições. Isso é péssimo.”

“Que foi, tá com pena de amante agora? Se não for pra esculhambar amante, pode esquecer Villa Mix, feat. com a Marília e top dez do Spotify. O máximo que a gente vai conseguir é uma Festa do Tomate, isso se Thaeme e Thiago cancelarem em cima da hora.”

“Não sei, acho que rivalidade feminina já não vende tanto disco quanto antigamente.”

“Claro, porque ninguém compra mais discos. Eu pessoalmente não tenho nada contra amante. Tenho até amigas que são. Mas feminejo é isso: chifre, bebedeira, jogar a biscate na rua enrolada no lençol do motel e cortar o cabelo dela a tesourada.”

“Eita. Sempre achei que fosse sobre empoderamento.”

“Então, você não me deixou continuar a música, a segunda estrofe é protagonismo feminino purinho. Começa assim: ‘Eu segui a periguete/ Até a creche da filha dela...’”

“Para, você tá me assustando. Vamos fazer o seguinte, eu compus uma aqui também. Queria que você ouvisse com carinho dessa vez.”

“É sobre a Joyce, pelo menos?”

“Que que tem a Joyce? Eu adoro ela.”

“Ah. Perdão. Achei que você já soubesse. Todo mundo já sabe. Enfim, depois você conversa com teu marido e resolve isso.”

“A Joyce… e o meu marido?”

“Eu sei. Dói demais. Dói na carne da gente. Mas a vingança vem a galope.”

“Imagina, acontece. Eu tô sempre em turnê, e a Joyce é legal, batalhadora. Chega de hipocrisia. Monogamia, na prática, não funciona mesmo. Traição não é o fim do mundo.”

“Você nunca mais fala uma coisa dessas em voz alta. Quer acabar com a nossa carreira?”

“Retomando. A música que eu escrevi é sobre amor próprio, e se chama ‘Antes Só do que Mal Acompanhada’.”

“Boa, nessa eu vou concordar com você. Chegou a hora de investir na minha carreira solo.”


Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo

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