domingo, 1 de agosto de 2021

Salomão quis dividir bebê em estratagema infantil que perpetua o machismo


E então, certo dia duas mulheres compareceram perante o rei, para que ele ajuizasse o seu caso em que ambas disputavam um bebê. E Salomão pensou “oba, oba”, porque ele já tinha concebido um plano muito engenhoso para a eventualidade de uma situação destas ocorrer e estava louco para pô-lo em prática.

E uma das mulheres disse: “Senhor, este bebê que aqui vedes é meu filho”. E a outra mulher contrapôs: “Não, senhor, o bebê é meu filho”. E Salomão ficou eufórico e pensou “é hoje”, e disse em voz baixa para o meirinho: “Jeremias, vá buscar a espada grande”.

E as mulheres prosseguiram a sua disputa, pois ambas asseveravam, com igual firmeza, ser a mãe da criança. E então, Salomão ergueu-se da sua cadeira e ordenou: “Cortem a criança viva ao meio e deem metade a uma mulher e metade à outra”.

E uma das mulheres gritou: “Não! Por favor, façam o que quiserem mas não cortem o bebê!”. E a outra mulher gritou ainda mais alto: “Claro que não! Como assim, cortar o bebê ao meio? Esse é o veredito mais estúpido que eu já ouvi na minha vida. Quem disse que este idiota era um sábio?”.

E Salomão ficou com uma cara meio boba e disse: “Hum, é certeza que nenhuma das senhoras acha boa ideia ficar com metade do bebê? É melhor do que nada...”.

E uma das mulheres respondeu: “Eu sei o que se passa aqui. Este imbecil pensou que uma de nós cairia neste estratagema infantil e aceitaria a solução absurda de dividir o bebê ao meio com uma espada. Para assim perpetuar o estereótipo do elevado juízo masculino que se impõe à tradicional irracionalidade feminina”. E a outra mulher acrescentou: “Parece impossível”.

E então o advogado de uma das mulheres disse: “Eu vou submeter uma queixa ao Conselho Nacional de Justiça para que sejam tomadas, sob o regime interno do referido organismo, medidas para a possível imposição de sanções disciplinares contra este juiz”.

E as mulheres ficaram tão indignadas que se uniram contra o rei e decidiram criar o bebê juntas, formando uma família homoparental, e jurando educar a criança no respeito pelos valores da igualdade e da tolerância. E todo o povo de Israel ouviu o veredito de Salomão e passou a respeitá-lo, pois até quando ele tinha ideias obtusas as coisas terminavam bem.


Texto de Ricardo Araújo Pereira, na Folha de São Paulo

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