sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Gerontolescência transforma outono da vida em primavera


Os 20 anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial se caracterizaram por alta nas taxas de natalidade, sobretudo nos países "centrais", que tanta influência exercem na cultura mundial, e por expressivo crescimento econômico.

Foi como se a sociedade, inocentemente, festejasse o final da tirania, os horrores do Holocausto, as atrocidades que levaram muitos à morte e uma destruição apocalíptica.

E os casais tiveram mais filhos, muitos. Um boom de nascimentos. Nascia a geração baby-boomers.

Mais saudáveis do que qualquer geração precedente, beneficiários de avanços científicos –vacinas e antibióticos antes inexistentes, para citar apenas dois. Mais bem informados, com níveis educacionais superiores aos de seus pais, que dirá avós. E com um pouquinho de dinheiro no bolso –até a Segunda Guerra, mesmo nos países mais ricos, as crianças tinham que trabalhar para comer assim que chegassem aos 12, 14 anos.

E o que fizemos, por sermos muitos, mais saudáveis e informados? Impactamos todas as etapas de vida desde então, começando com a "invenção" da adolescência, como a entendemos hoje. Rebelamo-nos, viramos a mesa, tornamo-nos ativistas, ousamos, criamos costumes.

Dos Beatles à Tropicália, dos movimentos estudantis de 1968 às lutas contra a opressão —e, para as mulheres, o começo da revolução sexual. Com a pílula, elas deixavam de ser escravas do aparelho reprodutor.

Sou de uma geração que, quando íamos para o quarto com os namorados/as e trancávamos a porta, os pais não sabiam o que fazer. Crescemos. Agora, quando vamos fazer um cruzeiro com alguém que conhecemos "outro dia", são os netos que não sabem o que dizer.

Da adolescência à gerontolescência. Novos padrões de comportamento, estilos de vida. A mesma ousadia de antes, a mesma rebeldia –só que 50, 60 anos depois, com maior conhecimento, discernimento e maturidade.

Como poderíamos envelhecer do mesmo jeito que nossos pais, que dirá nossos avós? Assistimos agora a uma nova transição. Claro, não da infância para a idade adulta, mas desta para a tal da velhice.

Como vai ser? Daqui a 15, 20 anos, veremos. O certo é que, da mesma forma que em um dicionário dos anos 1950 não encontraríamos uma definição de adolescência como a entendemos hoje, ainda é cedo para definir gerontolescência, pois a estamos definindo.

Se a adolescência dura cinco ou seis anos (ou deveria, embora seja bem verdade que tenho colegas de faculdade que se comportam como tal, o que não recomendo), a gerontolescência dura dos 55/60 anos aos para lá dos 80. É muito tempo para virar a mesa, se rebelar, ousar, ciente de nossos direitos, prontos para por eles lutar.

Claro, em um país tão desigual como o nosso, muitos não tiveram adolescência, precisaram trabalhar para comer. E muitos mal conseguem envelhecer e ter esse privilégio que eu, entre outros, tenho de fazê-lo sem amarras, com mais saúde, conhecimentos, consciente de meus direitos, lutando pela cidadania plena.

O desabrochar desta “nova” fase de nossas vidas já cria novas histórias e revolucionará o futuro. A gerontolescência subverterá o “outono da vida” por primaveras múltiplas e ampliadas!


Texto de Alexandre Kalache, na Folha de São Paulo

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