quinta-feira, 28 de abril de 2011

Estados Unidos versus WikiLeaks (uma questão de valores)

Estados Unidos versus WikiLeaks

JOAQUIM FALCÃO

A guerra jurídica que mal começou entre o governo americano e WikiLeaks se desenvolve em duas arenas principais. Primeiro, como os documentos foram retirados dos arquivos do governo? Houve ilícito? Quem é o responsável?
Segundo, o WikiLeaks tem o direito de divulgar os documentos?
Qual é a estratégia americana para essa guerra? O governo tem promovido ataques pessoais aos prováveis envolvidos.
O soldado Bradley Manning, acusado de ter acessado e transmitido os documentos para o WikiLeaks, está preso sem julgamento há mais de nove meses. É obrigado a dormir nu. Fica também nu diante da inspeção dos guardas. Passa 23 horas por dia numa pequena cela.
Só tem uma hora para andar. Esse tratamento é humilhante. Ofende dois valores constitucionais americanos e universais: o da presunção de inocência e o que proíbe castigo cruel e não usual.
O ataque pessoal a Julian Assange é mais visível. Trata-se de extraditá-lo para a Suécia. E de lá, provavelmente, para os Estados Unidos.
Sob um controverso caso sexual.
Não é ataque frontal contra a divulgação de documentos. É sinuoso.
Trata-se de, paralisando o chefe, paralisar a operação WikiLeaks. Essa tática já pressionou as empresas de cartão de crédito a não intermediarem recursos que as pessoas do mundo inteiro doavam ao WikiLeaks. Deixando claro que o atual governo americano não hesita em pressionar suas empresas e a liberdade de contratar com terceiros quando julga de seu interesse.
O ataque pessoal pretende repercussão intimidatória global. Não importa se há ou não o direito de publicar documentos não publicáveis. Importa aumentar os custos da liberdade futura. Se publicar, a perseguição jurídica do governo será pessoal. Com incríveis custos econômicos, psicológicos e físicos para o adversário.
Essa estratégia governamental enfrenta hoje três obstáculos. Primeiro, a incerteza sobre se a Suprema Corte daria ganho de causa ao governo. A jurisprudência é de proteção total à liberdade de expressão. Assim foi nos casos da publicação da fórmula da bomba atômica e dos papéis do Pentágono. Por isso, o governo ainda não peticionou à Suprema Corte. Mas correrá esse risco, um dia, se for necessário.
Segundo, somente em caso extremo, quando está em jogo a segurança nacional, a Suprema Corte poderia sustar e punir o WikiLeaks.
Teria que haver evidência absoluta do dano. Os fatos mostram que os documentos divulgados não afetaram a segurança nacional. Causaram mais medo à burocracia que dano ao país.
Terceiro, a divulgação não foi feita pelo WikiLeaks sozinho, mas pelos maiores jornais do mundo também: "The Guardian", "The New York Times", Folha, entre outros.
Eles também serão censurados?
Punidos? Como? Será difícil dizer ao mundo que o país campeão da liberdade de expressão realiza ataque coletivo e global à mídia livre.
Alguns juristas orgânicos tentam elaborar a teoria de que divulgação em internet não é mídia, e, portanto, o WikiLeaks não goza da mesma liberdade de expressão que "Times", "Guardian" ou Folha.
Em EUA versus WikiLeaks, o que está realmente em jogo são valores.
Os Estados Unidos continuam dispostos a defender a liberdade de expressão na era da internet? Qual o impacto de coibir internamente essa liberdade, sobretudo quando ela tem sido vital para a democratização dos países orientais?

JOAQUIM FALCÃO, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), é professor de direito constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ. Foi membro do Conselho Nacional de Justiça.

Texto publicado na Folha de São Paulo, de 25 de abril de 2011.

Seria interessante ver uma resposta do Embaixador dos Estados Unidos, Sr. Thomas A. Shannon, a esta ponderação.

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