terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Marilene Felinto precisa dar um rolé maior no Rio


Entre os cronistas cariocas nas décadas de 50 e 60 —um timaço com Sérgio Porto, Paulinho Mendes Campos, Fernando Sabino, Carlinhos Oliveira—, Antônio Maria é o que menos deve a Rubem Braga, que abriu o caminho da modernidade estilística e da conversa fiada com o leitor no fim dos anos 30. Os craques, de alguma maneira, são filhotes do velho sabiá. Maria, não; já veio arrumadinho e penteado do Recife.

O pesquisador Guilherme Tauil, na antologia "Vento Vadio" (Todavia), reuniu 185 textos do cronista, a maioria deles só publicada em jornais e revistas. É um livraço, o melhor lançamento do ano. Nele se comprova que Antônio Maria até se atrevia a tirar sarro de Rubem Braga:

"Sou novo no bairro e faço uma grande confusão entre o Jardim Botânico e a casa da Besanzoni [atual parque Lage]. Ambas são moradas de muito muro e, às vezes, dão impressão de casa mal-assombrada. No Jardim Botânico não acontece nada além da árvore da primavera, que bota uma flor em setembro para o Braga escrever uma crônica e viver, por longo tempo, dos comentários que desperta".

Marilene Felinto também saiu do Recife, mas escolheu viver em São Paulo. Ela veio ao Rio e não viu flor nenhuma. Só viu "pedra sem poesia". Como relata em artigo na Ilustríssima (18.dez.2021), passou algumas horas ou dias em Copacabana e conversou com dois taxistas. Citou dados da violência na cidade, como se ela não fosse geral no Brasil, e lamentou a adesão local ao bolsonarismo na época da eleição, esquecendo-se de falar que hoje quem aplaude o presidente são os empresários da Fiesp.

Crítico dos costumes e da política no Rio, Maria viveu aqui por quase 25 anos. Espantou-se e se maravilhou com a cidade. Mas não conseguiu defini-la —como acontece a qualquer carioca. Com rapidez, Marilene decretou: "uma ditadura de classes maravilhada consigo mesma". Na próxima vez eu a convido para dar um rolé.


Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo

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