quinta-feira, 22 de abril de 2021

Pandemia nos faz ter saudade de bloco ruim de Carnaval e cerveja quente

 

Essa pandemia está marcada, entre outras coisas, pela saudade. Saudade da família e dos amigos. Saudade de quando éramos felizes. De quando tínhamos dignidade.

Sentimos saudades de coisas banais, como ir ao supermercado sem ser uma operação de guerra. De poder ficar minutos no corredor de produtos de limpeza, pensando se leva Pinho Sol ou Limpol, sem ter medo de levar uma cepa nova para casa.

Ficamos saudosos até de coisas que de nunca havíamos sentido saudade.

É só lembrar algo desagradável que fazíamos no passado. Pelo simples fato de não estarmos em uma pandemia, aquilo se torna agradável.

Outro dia, senti saudade de frequentar bar lotado e passar horas de pé. O garçom trazer um balde de gelo e deixar no chão da calçada, com um pote de amendoim. Como era bom compartilhar amendoim com os amigos sem pensar nas consequências disso.

Sinto falta de ir a restaurantes ruins de shopping. Daqueles que servem cebola empanada com molho industrializado. Gastar fortunas com um bife duro acompanhado de um milho ainda mais duro. Ficar incomodada com os garçons cantando parabéns aos clientes em uma língua aborígene inexistente.

Saudade de ir em pizzaria com parentes e passar fome porque não decidem se pedem meia calabresa meia muçarela, ou meia muçarela meia calabresa. Passar raiva porque alguém insiste em pedir pizza de estrogonofe. No fim, comer a pizza de estrogonofe, a única que sobrou.

Como faz falta ir a festival de música, mesmo detestando festival de música. Descobrir que o festival só é acessível por trem e uma hora de caminhada. Dentro do festival, os palcos são batizados com nomes como “palco na casa do chapéu” e “palco longe pra dedéu”. Assistir ao show tomando cerveja quente e ver que o cabelo da menina da frente está dentro do copo.

Saudade de ir em bloco ruim de Carnaval. Tomar cerveja latão quente. Ficar com vontade de ir ao banheiro e ter que usar um toalete do botequim. Toalete é o que diz na placa da porta porque, dentro, há apenas um vaso sem assento ou descarga. Se esquecer que o banheiro é público e, por acidente, se sentar no vaso. E sair atrás do bloco porque é Carnaval.

Saudade de quando não tinha saudade de tudo isso.


Texto de Flavia Boggio, na Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário