quinta-feira, 8 de abril de 2021

Atualmente só dá para descer até o chão ao som de Ultraje a Rigor


Dois homens se reúnem na sede da Central dos Amigos Conservadores e Aliados, a C.A.C.A.

“Chefe, está tudo certo para o nosso Grande Encontro dos Conservadores do Brasil.”

“Ótimo. Não vejo a hora de reunir todos os conservadores para debater a tradição, os bons costumes e a liberdade.”

“Só temos um problema, senhor.”

“Não vai me dizer que estamos em pandemia, que não devemos aglomerar, blábláblá... Não podemos ter medo desse vírus comunista.”

“Jamais, senhor. Mas não é isso... É sobre a lista de convidados.”

“Faltou alguém? Onde cabem 500, cabem mil.”

“Pelo contrário. Precisamos cortar alguns nomes. Estou vendo aqui que o senhor planeja convidar o filósofo Luiz Felipe Pondé.”

“Sim, queremos ele na mesa: ‘Homens conservadores transam, sim’.”

“Sinto dizer, senhor, mas o Pondé acabou de escrever uma coluna na Foice de São Paulo dizendo que, entre o nosso presidente e o Lula, ele votaria no... Lula.”

“Não acredito que o Pondé, grande filósofo da direita, virou comunista?”

“E dizem que agora está transando muito mais.”

“Então coloca o Constantino na mesa.”

“Não creio que Constantino transe. Também teremos que tirar o Diogo Mainardi da lista de convidados.”

“Que que tem o Diogão? Ele sempre foi o nosso grande aliado, com o Antagonista.”

“Mas o Manhattan Connection acabou de ir para TV Cultura. E a TV Cultura é do governo de São Paulo, que é João Doria. Ou seja, comunista.””

“Tá, pode tirar o Mainardi.”

“O senhor também precisa alterar o set list da pista de dança. Aqui diz que vai tocar Britney Spears.”

“Sim. ‘Ooops, I Did It Again’ é minha música.”

“É que, com a pandemia, ela começou a defender redistribuição de renda e greve trabalhista. Ou seja, comunista.”

“Os comunistas levaram até a Britney?”

“Levaram a Anitta também, que chamou nosso presidente de ‘Bolsocaro’.”

“Por Deus, não dá mais para ser conservador e descer até o chão?”

“Dá. Mas só ao som de Ultraje a Rigor.”

“Cancela o encontro, então.”​


Texto de Flavia Boggio, na Folha de São Paulo

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