segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Tipo assim, energia, meu

Escrevo para pedir sua ajuda. Sou uma mulher de quase 40 anos, suficientemente cínica e com ojeriza a papinhos furados recheados de frases feitas ou expressões que jovens muito felizes e gritantes usariam em um luau. No entanto, sofro de incontrolável apego à palavra "energia". Lanço-a por aí em almoços informais, reuniões de trabalho e feiras literárias. Depois me contorço em autodescaso. Sou uma farsa! Faço minha carinha de empáfia pra distrair as pessoas da obviedade de que sou uma idiota, mas me desnudo no exato segundo em que, sem controle, entregue ao vício, menciono a palavra energia, querendo alcançar o rabo de alguma metafísica chula trazida por um reles ventinho de fim de tarde.
Cometo tal futilidade sempre que quero ir além da minha ladainha autocentrada e abraçar sentimentos muito profundos, curiosos e misteriosos. Infelizmente, "Não sou religiosa, mas acredito numa energia boa que chamo de Deus" virou frase de lanchonete de academia. Virou frase de blogueira especializada em blush cor de bronzeado mediterrâneo. Mas, poxa, eu talvez tenha inventado esse pensamento. Eu era feliz em tê-lo na minha lista de conclusões especiais. Quando pensei isso, na infância, me achei realmente esperta. Desde então chamo de fé essa coisinha bacana, essa vibe boa... essa energia do bem. Socorro! Pareço uma anta filosofando numa doceria de shopping. Enfim, ou você me ensina um substituto cabeça, um sinônimo mais aceito nas rodinhas intelectuais, ou minha carreira estará acabada!
Outro exemplo: pessoas que nos tratam super bem, são queridas, bem intencionadas, mas quando chegam perto, é como se os pontinhos de arrepios de nossa pele fossem milhares de plantinhas floridas e microscópicas que inflam em pavor, infartam, secam e se esvaem em súbita e prematura morte. A gente sente a paulada atrás do joelho, percebe a aura cor de céu do último dia do universo. É a energia da pessoa que, putz, cara, é bem barra pesada.
Já outros coleguinhas nem vão com nossa cara, tão sempre lidando com a realidade com a feição simpaticíssima de quem acabou de cheirar um sachê de bosta. A ruguinha eterna abaixo da boca desenhada pelo constante nojinho por outrem. Mas, vai entender, rola um oxigênio queridão quando ele aparece. Se bobs, rola até um tesãozinho.
Nunca vou esquecer quando, na longínqua época que eu ia a festas que não estava a fim de ir, fui a um aniversário no Baixo Augusta. Antes que eu saísse, meu perfume novinho explodiu, espalhando uma indecente quantidade de dólares pelo banheiro. Na hora pensei "energia ruim, não saia de casa". No caminho, me perdi, a rádio só tocava musica triste, meu celular apagou e nem estava sem bateria. Cheguei no bar e minha pressão caiu, eu não parava de bocejar, minha nuca parecia pesar mil quilos. Não suportei mais e saí correndo. No dia seguinte, amigos me contaram que o lugar foi assaltado e teve choradeira, polícia, troca de tiros. Passei os dez anos seguintes dizendo a todos que eu transo um lance fortíssimo com a "energia dos lugares". Quem vai discordar?
Preciso dar um basta nisso. Já lancei livro por editora de respeito, a última reforma da minha casa me alçou ao patamar dos adultos com bom gosto e, semana passada, até o canal Arte 1 quis falar comigo. Resumindo: rolou pra mim, galera. Não posso estragar tudo agora, apenas porque sou uma junkie verbal, uma adicta, uma dependente. Conto com você.


Tati Bernardi, na Folha de São Paulo

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