quinta-feira, 14 de junho de 2012

Nazistas prosperam livremente em partes da Alemanha Oriental



A Alemanha prometeu reprimir extremistas de direita após a exposição de uma célula terrorista de extrema direita, no ano passado. Mas nas zonas rurais do Estado da Saxônia, no Leste, os neonazistas permanecem bem estabelecidos nos conselhos locais e continuam a intimidar as pessoas à vontade, sem nenhum impedimento por parte da polícia.
Maio de 2012, Saxônia: na cidade de Bautzen, dois homens agrediram um estudante colombiano, chutando-o e xingando-o. Em Hoyersweda, extremistas de direita cercaram o escritório de um membro do Bundestag, o parlamento alemão, quebrando janelas e atacando um funcionário. Em Limbach-Oberfrohna, neonazistas atacaram um centro de educação alternativa. Em Geithain, um dispositivo explosivo foi detonado em frente à Pizzeria Bollywood, um restaurante de propriedade de um paquistanês.
"O inferno é assim", disse Kerstin Krumbholz, 50, sentada em sua sala em Geithain, uma pequena cidade situada na Saxônia, no Leste da Alemanha. Espalhados sobre a mesa diante dela, estão artigos de jornais sobre neonazistas, propagandas e cartazes que registram o terrorismo de extrema direita que atormenta sua vida cotidianamente. "As pessoas que moram nas cidades não têm ideia do que está acontecendo aqui no interior", diz Krumbholz.
Ela e seu marido se mudaram para Geithain há 19 anos. Eles moravam em Leipzig, que fica em torno de 40 quilômetros de Geithain, mas quiseram que seus filhos crescessem em um ambiente seguro, livre de criminalidade e drogas, e longe dos perigos de uma cidade grande. Lutz Krumbholz é limpador de chaminés profissional, enquanto Kerstin Krumbholz cuida da contabilidade da companhia, e eles compartilham as responsabilidades da educação dos filhos.
Antes, Kerstin Krumbholz não sabia muito sobre o extremismo de direita, nada além do que escutava no noticiário. Coisas como um incêndio na casa que abriga aqueles que pedem asilo ou a entrada do Partido Nacional Democrático (NPD) em alguma câmara legislativa estadual.
Mas aquelas coisas tinham pouco a ver com suas próprias vidas -até que um neonazista feriu o filho dela de uma maneira tão grave que o menino quase morreu. Um extremista de direita atacou Florian, então com 15 anos de idade e membro da turma punk, num posto de gasolina em maio de 2010, fraturando seu crânio. Florian hoje vive com uma placa de titânio na cabeça e mudou-se de Geithain.
Sua mãe não era uma pessoa politizada antes do ataque a Florian, mas agora ela estuda blogs e fóruns na Internet de extrema direita, participa de manifestações e fundou um grupo chamado Iniciativa para que Geithain tenha a Mente Aberta. Krumbholz transformou a batalha contra os neonazistas no trabalho de sua vida –mas é uma batalha perdida aqui nesta zona rural da Saxônia.
"O que está acontecendo na Saxônia é um escândalo"
Sete meses se passaram desde que veio à tona que as autoridades alemãs por anos não souberam da existência de uma célula terrorista de extrema direita que se autodenominava "Nacional Socialismo Subterrâneo" (NSU) que assassinou 10 pessoas, na maior parte, imigrantes turcos, em uma onda de homicídios nacional que foi de 2000 até 2007. Quando este grupo, baseado em Zwickau, Saxônia, foi exposto, os políticos declararam sua intenção de reprimir e extirpar o problema da extrema direita, mas nada de concreto foi feito. "O que está acontecendo na Saxônia é um escândalo", diz Hajo Funke, cientista político em Berlim. Não há outro Estado alemão onde os neonazistas tiveram tanta influência, diz ele, acrescentando que o governo regional estava se recusando a agir contra eles.
Os membros da Iniciativa para que Geithain tenha a Mente Aberta reuniram-se hoje na prefeitura. Krumbholz convidou para o encontro Mohammad Sayal, o proprietário da Pizzeria Bollywood, restaurante local atacado no final de semana anterior. Sayal descreveu a violência que sofreu por parte dos neonazistas nos cinco meses desde que abriu seu restaurante. Na primeira noite mesmo, eles destruíram suas vitrines. Em maio, um grupo de 10 deles apareceu na frente do restaurante, usando máscaras e facas. Eles chutaram a porta, jogaram uma pedra na janela e gritaram "Seu estrangeiro de merda, vamos te pegar. Se você não sair daqui, vamos chutar você". Uma semana depois, um explosivo destruiu o restaurante.
Os assassinatos cometidos pelo NSU permaneceram sem resolução por tanto tempo em parte porque tanto as autoridades quanto o público assumiram que os assassinos vinham do mesmo segmento da sociedade que suas vítimas. Em Geithain, também, muitas pessoas alegam que não foram radicais de direita que atacaram o restaurante de Sayal, mas sim outros paquistaneses, reagindo a discordâncias por dinheiro ou brigas de família.
Neonazistas no conselho da cidade
Na Alemanha Oriental comunista, Geithain era o centro administrativo do distrito rural a sua volta. Esta foi uma região carvoeira, mas hoje apenas cerca de 6.000 moradores vivem em Geithain. A praça da cidade foi agradavelmente reformada desde a unificação, mas suas ruas permanecem vazias. Os jovens em busca de trabalho mudam-se para Leipzig, ou diretamente para o Oeste. Os partidos políticos estabelecidos reduziram sua presença aqui, enquanto os extremistas de direita expandiram sua influência, especialmente desde que o neonazista Manuel Tripp, membro do NPD, entrou para o conselho da cidade, em 2009.
Tripp, 23, estudou em Leipzig e transmite uma imagem de homem que cuida de seus eleitores. O povo de Geithain pode entrar em contato com ele a qualquer hora do dia, por meio de sua página na Web. Ele envia tweets sobre as reuniões do conselho da cidade e publica o "Geithain Mouthpiece", um jornal local com artigos sobre a falta de médicos no Leste da Alemanha, ou sobre o festival anual de caça. Ele trabalha em defesa do zoológico e, junto com outros de seu partido, organiza torneios de futebol e acampamentos onde as crianças podem caminhar pelo campo usando uniformes militares.
Suas verdadeiras motivações, contudo, surgem quando faz declarações que violam a constituição alemã, por exemplo: "O socialismo nacional não pode ser eleito ou implorado. Só pode ser alcançado pelo caminho da revolução". Tripp é uma figura importante na rede de grupos militantes de extrema direita "Free Network"(FN).
A FN surgiu de um grupo de neonazistas, a "Liga de Proteção da Pátria da Turíngia", que também inclui três terroristas do NSU. O ramo da FN da Saxônia é liderado por Maik Scheffer, que também é vice-líder do partido NPD no Estado. Scheffler tem um histórico criminal por dano corporal grave e por posse ilegal de arma.
Junto com Tripp, Scheffler conseguiu, no espaço de apenas alguns anos, estabelecer estruturas neonazistas firmemente enraizadas na região rural entre as cidades de Chemnitz e Leipzig. Ao mesmo tempo, os Kameradschafen estão expandindo sua influência. "Membros da FN estiveram repetidamente por trás de atos de terrorismo na Saxônia", diz Kerstin Köditz, do Partido da Esquerda, que analisa as tendências da extrema direita.
O Estado da Baviera está querendo banir a filial "FN Sul", mas aqui na Saxônia -o mesmo Estado onde o trio de assassinos do NSU pôde ficar por mais de 10 anos sem serem incomodados- o governo está fazendo corpo mole. O ministro do Interior da Saxônia, Markus Ulbig, da União Democrática Cristã, de centro direita (CDU), considera a FN nada mais do que um "portal da Internet", uma espécie de Facebook para nazistas. E o governador Stanislaw Tillich, também do CDU, afirmou que a Saxônia não tem um problema significativo com o extremismo de direita.
"Vai se ferrar, seu turco"
Enquanto Kerstin Krumbholz e outros membros da iniciativa antinazista estão discutindo a violência de extrema direita na cidade de Geithain, uma espécie diferente de reunião está ocorrendo na frente do posto de gasolina Total, nos limites da cidade. Aqui, os jovens estão jogando conversa fora e acelerando os motores dos carros, ouvindo rock neonazista alto e bebendo cerveja. Com o avanço da hora, chegam outros, alguns fazendo a saudação nazista. Se um cliente do posto olhar para eles um pouco mais demoradamente, eles gritam: "Merda de judeu porco, vou te chutar daqui!"
Na escola de ensino médio de Geithain, os extremistas de direita são tidos como os bacanas, os rebeldes. As crianças que rejeitam os neonazistas são recebidas no pátio da escola com "Heil Hitler" ou "Vai se ferrar, seu turco". Algumas das garotas usam filtro solar para desenhar suásticas em sua pele, quando viajam com a escola.
Qualquer um que se oponha a essa ideologia é intimidado e perseguido. Quando o jornalista investigativo alemão Günter Wallraf fez uma leitura em Geithain em abril, os neonazistas gritaram "Mandem Wallraff para a África!", na rua na frente da prefeitura, e fizeram ameaças ao prefeito de Geithain e a um político do Partido da Esquerda. Um padre local respondeu aos extremistas de direita com uma carta aberta e, na manhã seguinte, encontrou os muros de sua igreja cobertos de pichações.
Os neonazistas divulgam online os nomes de seus adversários, com endereços e retratos. Os grupos extremistas de direita que se opõem ao movimento "Antifa", ou antifascistas, são chamados de "Antiantifa". Pois o grupo local antiantifa publicou que as pessoas de esquerda em Geithain podem esperar "medidas disciplinares, telefonemas e danos aos carros". Os neonazistas também anunciaram o ataque a Florian Krumbholz online, usando um vídeo como chamada de violência contra ele: "Os esquerdistas têm nomes, eles têm endereços. Vamos marchar e mostrar nossa força". Poucas semanas antes do ataque, na Sexta-feira Santa de 2010, neonazistas picharam a garagem da família de Krumbholz com "Morte à Frente Vermelha" e "Vamos pegar você, Florian".
O ataque no posto de gasolina durou apenas alguns segundos. As gravações das câmeras de segurança mostram o atacante atingindo Florian no peito, depois socando sua testa. O atacante, Albert R., recebeu apenas uma sentença muito leve em seu julgamento inicial, apesar de ter um histórico criminal considerável. O caso foi para uma corte de recursos, onde ele recebeu uma sentença mais pesada.
Cidadãos sentem-se abandonados pela polícia
Enquanto isso, Albert R. já está enfrentando um inquérito por outro crime: ele e dois amigos são acusados de atacarem um grupo de jovens e jogarem gás lacrimogêneo na cara deles. R. atacou uma das vítimas com uma garrafa de cerveja.
Muitas pessoas aqui se sentem abandonadas pelas autoridades. Nos últimos anos, delegacias de polícia foram fechadas e distritos policiais foram fundidos, e o Ministério do Interior da Saxônia planeja mais cortes. Os registros na polícia criminal do Estado revelam uma atitude de resignação e indiferença entre os policiais.
Um desses registros descreve um ataque por extremistas de direita violentos contra um prédio comercial em Colditz, cidade vizinha a Geithain, há quatro anos. As transcrições das chamadas de emergência mostram que a polícia na Saxônia Ocidental começou a receber ligações dos cidadãos preocupados no final da tarde. À noite, já tinha recebido mais de uma dúzia de chamadas.
19h49, ligação de uma mulher:
- Algo vai acontecer em Sophienplatz, em Colditz".
- O que está havendo?
- Tem um monte de homens mascarados aqui.
- E daí?
- Estão chutando tudo até quebrar.
19h51, ligação de um homem:
- Há mais de 50 pessoas aqui em Sophienplatz, Colditz, usando máscaras.
- E por que o senhor está ligando?
- Porque esses caras aqui estão chutando um prédio, batendo nas coisas, jogando explosivos.
20h04, chamada de uma mulher:
-Eles destruíram tudo em Sophienplatz. E eles também queriam colocar fogo em alguma coisa aqui no clube de jovens, pelo menos foi o que ouvi.
- Bem, se você observar danos, você pode vir para a delegacia de polícia a qualquer momento para dar queixa.
20h43, chamada de uma mulher:
- Olha, liguei antes e preciso da polícia aqui. Já pedimos a vocês para enviar alguém.
- Sim, mas não há ninguém disponível.
- Por favor, por favor, envie alguém.
20h44, chamada de um homem:
- Eles bateram nas janelas quatro vezes já.
- E o que o senhor espera que eu faça? Devo ir e ficar na frente das janelas, ou o que?
Poucas pessoas ousam confrontar os neonazistas em Colditz. Uwe L., por exemplo, vendedor de aparelhos eletrônicos, fez uma tentativa ao fundar a "Aliança Contra a Extrema Direita", que organizava shows. Mas os neonazistas atacaram sua loja várias vezes, quebraram as vitrines, destruíram as paredes, danificaram seu carro e ameaçaram seu filho. L. Desistiu. "Eu não teria sobrevivido, financeira e psicologicamente", diz ele.
"Os neonazistas já controlam tudo"
O NPD também tem assentos no conselho da cidade de Colditz. Extremistas de direita estão envolvidos em uma associação que apoia o ensino médio. Eles também ajudam a administrar um clube de futebol e um clube de canoagem. O clube de jovens local é dirigido pelo filho do prefeito, junto com um famoso neonazista. Os pais aparecem nos festivais usando camisetas com lemas como "Viagem cênica de trem para Auschwitz". Frank Hammer, que trabalha para uma organização chamada "Aconselhamento móvel contra o extremismo de direita", diz: "As coisas estão calmas nesta região. Mas apenas porque os neonazistas já controlam tudo".
Quando Geithain celebrou seu 825º aniversário em junho, a prefeita Romy Bauer (CDU) deu aos neonazistas permissão para montarem uma barraca no festival. Tripp e seus colegas distribuíram pedaços de bolo, instalaram uma roda da fortuna e marcharam na frente da parada. Se ela tivesse se recusado a dar licença, a violência poderia ter irrompido durante o festival, disse Bauer. A prefeita também recusou-se a participar na manifestação contra a extrema direita organizada pela Iniciativa para que Geithain tenha a Mente Aberta.
Os que tentam combater o extremismo de direita na Saxônia reclamam de falta de apoio. Kerstin Krumbholtz tem dificuldades para encontrar pessoas dispostas a participar de sua iniciativa, que no momento tem apenas oito membros. Quando organizaram um festival contra o extremismo de direita no ano passado, conta Krumbholz, eles não encontraram uma única padaria em Geithain disposta a vender-lhes bolo para o evento.
Após o fim do encontro da iniciativa, Krumbholz acende um cigarro com as mãos trêmulas, na rua na frente da prefeitura. Memórias do ataque contra seu filho ainda a perseguem. Ainda assim, até hoje, nenhum dos vizinhos levantou o assunto com ela. Não houve uma palavra de simpatia, nem uma palavra de remorso. Todos em Geithain, diz Krumbholz, agem como se o ataque nunca tivesse ocorrido.
Krumbholz seca as lágrimas e pensa alto: "As pessoas têm que morrer para alguma coisa mudar por aqui?"

Tradutor: Deborah Weinberg




Reportagem de Maximilian Popp, para a Der Spiegel, reproduzida no UOL

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