sexta-feira, 15 de junho de 2012

Aviões teleguiados e armas cibernéticas criam a ilusão de disparos sem consequências


Às terças-feiras, sentenças de morte. Franco as assinava enquanto tomava o café da manhã. Barack Obama preside uma comissão com a qual repassa e decide a partir das fichas, foto e biografia, sobre os candidatos à pena de morte. A assinatura do ditador espanhol significava que no dia seguinte o preso seria fuzilado. A autorização do presidente norte-americano, que o suspeito de terrorismo será atacado por um míssil lançado de um "drone", ou avião teleguiado.
O lugar onde se tomam essas decisões é a Sala de Situação, a mesma de onde se acompanhou a ação da Marinha dos EUA que matou Osama bin Laden na cidade paquistanesa de Abbotabad, na madrugada de 1º de maio de 2011. Daquele episódio nos fica uma foto na qual se vê Obama rodeado por toda a sua equipe e concentrado diante de uma tela, de onde o então diretor-geral da CIA, Leon Panetta, lhe dá explicações sobre o rumo da ação.
Os números sobre execuções extrajudiciais, que afetam em sua maioria as regiões tribais do Paquistão fronteiriças com o Afeganistão, falam por si sós. Nos últimos dias de maio e primeiros de junho foram 27, entre as quais se encontra a do número 2 da Al Qaeda, Abu Yahya al Libi. Se Bush passou à história por sua guerra preventiva no Iraque, a legalização da tortura, as entregas de terroristas a terceiros países para serem interrogados ou liquidados e a criação do campo de Guantánamo para manter em detenção indefinida os suspeitos de terrorismo, Obama o fará por sua decidida liquidação dos caudilhos da Al Qaeda e de centenas de seus militantes, incluindo menores de idade.
Não deveria surpreender ninguém. O atual presidente se opôs à guerra do Iraque e rejeitou a política antiterrorista de Bush, que corrigiu na medida do possível: não conseguiu fechar Guantánamo porque o Congresso não permitiu. Mas nunca se opôs à política de assassinatos seletivos, que Bush apenas iniciou. E não o fez porque estava de acordo em continuá-la. Só em 2007, quando era apenas um senador que ia se apresentar nas primárias democratas, declarou que "se tivermos informação útil sobre alvos terroristas de alto valor no Paquistão e o presidente Musharraf não agir, nós o faremos".
Na reta final de sua atual campanha para a reeleição, os refletores iluminaram de repente a cena glacial e terrível das terças-feiras de morte na Casa Branca. Com o surgimento de vários livros e reportagens sobre essas atuações, ficou documentada a ideia de um presidente ao qual não importa aparecer como juiz e ao mesmo tempo carrasco dos terroristas. Todas essas informações na metade da corrida presidencial, quando Obama já enfrenta diretamente o candidato republicano, Mitt Romney, foram interpretadas como articulação eleitoral para aparecer como alguém a quem não treme o pulso ao defender a segurança dos americanos.
A própria Casa Branca se viu obrigada a desmentir, não a informação sobre os ataques com aviões teleguiados e as listas de executáveis, mas a vontade de exibição de tais práticas.
Para confirmar e dar verossimilhança ao desmentido, o ministro da Justiça, Eric Holder, nomeou dois promotores especiais com a missão de investigar os vazamentos sobre essas decisões secretas da Casa Branca. Além da elaboração das listas de condenados à morte, Holder quer que se investigue o vazamento sobre Stuxnet, a arma cibernética utilizada conjuntamente com Israel para atacar os sistemas de informática da indústria nuclear iraniana, assim como o uso de um agente duplo na desarticulação de um complô terrorista.
Michael Ignatieff, o intelectual e ex-dirigente liberal canadense, que primeiro apoiou a guerra do Iraque e depois se arrependeu, influenciou bastante nessa polêmica ao apontar muito adequadamente como as novas tecnologias de guerra, sejam teleguiados ou armamento cibernético, criam a ilusão de uma arma que prejudica, mas não é retrógrada.
Muitos duvidam da constitucionalidade das decisões letais de Obama, pelo menos quando afetam, como já ocorreu, cidadãos americanos. Outros se preocupam com sua absoluta inadequação com a legalidade internacional. Mas basta pensar no retrocesso dessas armas, quer dizer, nas consequências para quem as utiliza, para perceber a obscura ambiguidade da geografia bélica em que estamos adentrando.



Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Nenhum comentário:

Postar um comentário