segunda-feira, 11 de junho de 2012

Açoitada pela crise, classe média recorre à ajuda do serviço social espanhol


"Papai, eu te ajudo". "Eu também". Quatro mãozinhas carregam os pacotes. Macarrão, arroz, latas de tomate. As crianças deixam as embalagens na sacola do supermercado. Mas este, com sua grande e lenta fila, não é um supermercado: é a distribuição gratuita de alimentos para quem não consegue se sustentar até o fim – ou até o meio – do mês. Embora possa lembrar um mercado. As caixas que entregam as provisões são voluntárias da Cruz Vermelha. O cenário, uma casa pré-fabricada de um subúrbio de Madri, Três Cantos. Os clientes, sobretudo espanhóis de classe média arrasados pelo desemprego e pelos salários baixos, saem com o carro cheio para casa. Como se voltassem do supermercado. Como qualquer outro vizinho.
"É humilhante, mas não há mais remédio", diz Nieves, 55, com a sacola cheia de mantimentos. Acaba de estrear o serviço da ONG, que distribui alimentos uma vez por mês aos moradores do município de 41.147 habitantes. Três Cantos brilha nas estatísticas: 8% de desemprego, renda média entre as mais altas de Madri e cerca de 60% de universitários. Mas ilustra a queda da classe média.
"Estou separada e tenho um filho de 18 anos. Meu marido me repassava 1.200 euros por mês para o menino e para mim até um ano atrás, mas agora ele está numa situação ruim, não pode mais. Cheguei numa situação na qual não tenho o que comer", explica a mulher que pede para não revelar seu nome verdadeiro. Uma dona de casa – "nunca trabalhei porque não precisava" - que "nunca" havia pisado num serviço social. Isso até o mês passado, quando Nieves colocou os pés pela primeira vez no barracão-supermercado a meio caminho dos chalés geminados, escritórios elegantes e blocos de apartamento que costumam ter piscinas.
"Sinto-me mal por ter que vir aqui, como um pobre que se põe a pedir. Mas por meu filho eu mato, como diz Belén Esteban". O filho é estudante e, segundo a mãe, "não tem uma situação ruim". "Tem seu computador com alguns jogos. Diverte-se com os amigos... Desde pequeno ensinei-lhe a ser austero", afirma a mulher com algum alívio. Para Nieves, cujas economias são só uma lembrança longínqua, é uma tranquilidade ter um apartamento próprio. Embora deva "muito" de condomínio. "Os vizinhos me conhecem há muito tempo. Sabem como estou e não me pressionam". Mas os gastos fixos da casa chegam a 400 euros por mês. E, além disso, não havia leite na distribuição.
Acabou-se para as 19 das famílias que recolheram seu lote nesta terça à tarde. São uma pequena parte das 200 – agrupam cerca de 600 moradores de Três Cantos, calcula o presidente da Cruz Vermelha local, José Chai – que se beneficiam do abastecimento gratuito. "60% são espanhóis. São os únicos que aumentaram, e muito, nos últimos tempos. Boa parte dos imigrantes parte em busca de uma moradia mais barata", detalha Chai. "São da classe média, muitos com diploma universitário", descreve.
"Pessoas que ganhava até 3 mil euros por mês com dois salários, que ficaram sem ingressos e com hipoteca ou aluguel para pagar e filhos para manter", acrescenta Yolanda Cagigal, assistente social do centro. Pessoas que com frequência "escondem os alimentos nas sacolas do Carrefour para fingir que foram fazer compras", que gastam as economias antes de dar um passo que desconhecem: recorrer à assistência social, afirma Chai. "Não sabem como pedir ajuda, não estão acostumadas. Chegam quando já não podem mais."
Como Juan Carlos e sua mulher, Jafi. Carregam os mantimentos no carro, o ícone dos tempos melhores, cujo financiamento conseguiram renegociar no banco até os 100 euros por mês. "Só coloco 20 euros de gasolina, e quando posso", esclarece o jovem. Ele tem um trabalho, mas pior do que o anterior. Ela vive do seguro desemprego. As coisas começaram a complicar há quatro anos: a queda até juntar, entre os dois, "menos de mil euros". E com dois filhos para sustentar, de cinco e sete anos.
"Saio procurando trabalho toda manhã e volto com as mãos vazias", diz Jafi. Com "oito euros" no porta-moedas, tem os cálculos justos. "Em junho paro de pagar a merenda para as crianças, porque não há bolsa e o serviço custa 162 euros para os dois". O próximo corte será acabar com o futebol do menino: 325 euros por ano. Mas ele entenderá: "eles sabem o que está acontecendo, que não temos muito dinheiro". "É preciso ir em frente pelos filhos", diz Jafi com um sorriso, embora o ânimo caia às vezes.
O casal espanhol dá a partida na minivan enquanto Eva – nome fictício – carrega sua bolsa. Pesa menos do que a média – situada em 16,5 quilos-, porque ela mora sozinha. A contra gosto. Divorciada, 45 anos, três filhos. "Eles estão com o pai, que tem um bom salário, porque eu não consigo mantê-los". Esta madrilenha que deixou o emprego depois de ter seu último filho, que "sempre viveu sem apuros", trabalha agora de assistente a duas horas de distância. Contas que não são pagas e que, há seis semanas, levaram-na a pedir ajuda – "já estava nas últimas" - e também a se transformar em voluntária da Cruz Vermelha. "Gosto de ajudar as pessoas. Não posso ficar parada em casa". Assim ela dá uma ajuda com o computador. E se sente útil ao "devolver algo que recebe". Um bálsamo para "a dor da humilhação" que sente diariamente.
O caminho inverso aconteceu com Beto, 55. Quando ficou desempregado como auxiliar de segurança, este peruano se aproximou para ajudar no barracão da Cruz Vermelha. Ele conduz o transporte adaptado que transfere as pessoas com dificuldades de locomoção às consultas médicas. "Vim ajudar e quando a coisa ficou apertada e as economias acabaram, pedi ajuda", relata este universitário que vive com o seguro desemprego e acredita que não vai mais encontrar emprego "por culpa da idade". "Não paro de enviar currículos, e nada. As empresas não querem gente com mais de 45 anos e o político quer nos pagar a pensão só com 80". Em sua casa, com três filhos e dois adultos, só a mulher – espanhola – trabalha: 900 euros para todos. "Pelo menos o apartamento é próprio", suspira Beto.
Na fila dos alimentos também há empresários que quebraram. Como Liliana e seu marido, cuja firma de construção "foi à falência por inadimplência". Esta colombiana de cerca de quarenta anos é a única da casa que trabalha, de garçonete. "Mas meu salário não é suficiente." Uma renda de 800 euros para um aluguel de mil num apartamento onde ela subloca um quarto. "O aluguel é a primeira coisa que pagamos e depois, o que podemos. Se é a luz, não é a água, nem o gás." "Estou acostumada a lutar na vida, mas meus filhos estão aterrados e procurando trabalho." Um trabalho que está cada vez mais escasso. Um trabalho cuja falta multiplica as filas para receber alimentos. Também nas áreas acomodadas. Três Cantos já não tem mais só uma quinzena de famílias – desestruturadas, imigrantes em apuros ou etnia cigana -, como há uma década. A classe média também está na fila. Como se voltasse do supermercado. Como sempre. Quase.
Tradutor: Eloise De Vylder
Reportagem de Charo Nogueira, no El País, reproduzida no UOL.

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