terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tempestade no deserto


Tempestade no deserto
Na semana passada, o mundo viu um evento capaz de abrir novos rumos numa das regiões mais turbulentas do planeta. Depois de 23 anos de um regime ditatorial apoiado de maneira incondicional pelo Ocidente, o povo tunisiano derrubou o governo Ben Ali.
Durante um mês de protestos reprimidos de maneira brutal pela polícia, com dezenas de mortos, não se ouviu uma única frase de dirigentes ocidentais cobrando respeito aos direitos humanos.
Ao contrário, depois de um dia particularmente sangrento de confronto, tudo o que o governo francês (antiga potencial colonial que ainda mantém sua influência sobre o país) sugeriu foi "uma cooperação policial". Talvez os franceses imaginassem assim colaborar com os direitos humanos, quem sabe ensinando os policiais tunisianos a usarem o cassetete sem estourar a cabeça de manifestantes.
O que se passou na Tunísia nos mostra claramente a real matriz dos problemas no mundo árabe. Regimes corruptos e ditatoriais como o do "presidente" Ben Ali são apoiados, sem reserva alguma, por aqueles que pregam "democracia" contra seus inimigos do dia. EUA, França, Reino Unido não veem problemas em tratar como aliados os autocratas instalados em Marrocos, Egito (com seu "presidente" no poder há 30 anos), Arábia Saudita, Jordânia, Paquistão, sem falar do vergonhoso governo do Afeganistão com suas eleições de fachada.
Ou seja, para um árabe, "democracia ocidental" é um sintagma associado necessariamente aos governos que apoiam ditaduras na região e que lutaram para destruir regimes nacionalistas como os de Mossadegh, no Irã.
Nos últimos anos, principalmente após a revolução iraniana, os árabes lutaram contra esse fechamento do universo político por meio do retorno à força de mobilização identitária da crença religiosa. Ou seja, longe de ser um arcaísmo dessas sociedades, o fundamentalismo é um fenômeno recente resultante do esvaziamento do campo político.
Conhecemos o resultado catastrófico desse retorno do teológico. Agora, os tunisianos mostram que outra via é possível. A revolta tunisiana é uma recuperação do campo político, que pode permitir, a essa parte do mundo, reconstruir o sentido de uma democracia com participação popular efetiva. A maneira silenciosa com que os países árabes receberam a notícia da revolta no país demonstra como esse é o verdadeiro medo de seus governos.
No entanto, essa é a única arma realmente eficaz contra o fundamentalismo islâmico.
Quanto mais o espaço do político for o verdadeiro campo dos conflitos sociais, menos as derivas identitárias religiosas terão força.



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